Autoria de Lu Dias Carvalho
O trunfo de Geraldo não era ser um grande ritmista, pois não se notabilizou por isso, ainda que tenha desempenhado bem a função em rádios e shows. O que ele sabia como ninguém na sua época era fazer o ritmo certo com linhas propositalmente tortas, balançantes. Ao resultado desta maestria se convencionou chamar samba sincopado, também conhecido por samba teleco-teco. (Luiz Fernando Viana – jornalista, editor e escritor)
Geraldo Pereira era tímido, um tímido que usava agressividade para se defender. Era vaidoso e ganancioso. Gostava de mulher e de bebida, mas não sabia ter mulher, nem bebida, nem dinheiro. (Cyro de Souza – amigo e parceiro)
Você vai encontrar a divisão rítmica de João Gilberto, que veio muitos anos depois caracterizar a bossa-nova nas síncopes de Geraldo Pereira (Cyro de Souza, compositor)
O compositor, cantor, ritmista e ator Geraldo Theodoro Pereira nasceu em Juiz de Fora/MG, no ano de 1918. Era filho de Clementina Maria Theodoro e Sebastião Maria. Tinha muitos irmãos, pois sua mãe também tivera filhos com Antônio Manuel Araújo. Quando ela resolveu se mudar para o Rio de Janeiro, deixou Geraldo aos cuidados de uma tia. E foi da família dessa tia que foi anexado o Pereira ao nome do menino. Como era muito esquivo e afeito a mágoas, ele não gostava de falar sobre sua infância. O que se sabe é que trabalhou na roça, inclusive como candeeiro de boi.
O modo como Geraldo Theodoro chegou à cidade do Rio de Janeiro, entre 1929 e 1931, nunca foi explicado. Ali, foi trabalhar na birosca de Mané Araújo, seu irmão mais velho e padrinho de batismo, filho da primeira união da mãe, responsável por trazê-lo de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. No morro, ele e seus amigos ficavam ouvindo os compositores da Mangueira (Carlos Cachaça, Cartola, entre outros), enquanto iam aprendendo o abc de como se compor uma música.
Geraldo Pereira tinha um gênio forte. Vivia às turras até mesmo com Mané Araújo que era respeitado por todos do morro Santo Antônio, vindo a se formar juiz de fato do lugar. Resolvia até assuntos referentes à perda da virgindade das moças do local. E foi numa dessas resoluções do padrinho, que Geraldo perdeu sua solteirice. Foi acusado pelo pai de Eulíria Salustiano de ter desonrado a moça, então com 21 anos. E o irmão, para mostrar sua autoridade, acabou dando ordens para que o casório acontecesse. Como não há quem censure o censor, o dito juiz tinha três mulheres oficiais. Apesar da indiferença do marido, o rebento Celso Salustiano veio ao mundo, mas sem registro do pai.
Geraldo era sem responsabilidade. Quando sua mãe estava muito doente, sob os cuidados do filho mais velho Mané Araújo, que ao viajar deixou ao irmão a tarefa de cuidar dela, o sambista foi cantar num teatro, emendando com uma festa. Voltou no dia seguinte e encontrou a mãe morta e o irmão revoltado. Acabou deixando o local onde vivia.
Apesar de só ter feito o primário, Geraldo Pereira era muito inteligente e bom em língua portuguesa. Sua formação musical deu-se através da observação: olhos e ouvidos sempre atentos ao trabalho dos mais velhos. Não perdia um ensaio do conjunto Com Que Roupa?. Aluísio Dias, um dos integrantes do conjunto, ensinou-lhe, tempos depois, os rudimentos do violão. Alfredo Português, padrasto de Nelson Sargento, foi seu mestre e também parceiro. E Jacy de Paula Trindade, sobrinha de Aloísio Dias, além de dominar a língua portuguesa, ainda tinha um piano em seu barraco e também atraía os olhos do rapaz de 17 anos. E foi para ela que mostrou suas primeiras composições.
Geraldo Pereira era muito curioso quanto à música, mas a bebida e as mulheres deixaram-lhe pouco tempo para os estudos musicais. Mas, como já sabemos, não era fácil viver de música naquela época. Para sobreviver, Geraldo também teve que trabalhar em outros ofícios: foi entregador de marmita, soprador de vidros, guarda da Central do Brasil, motorista de caminhão de lixo, etc. Somente a partir de 1940, aos 22 anos, resolveu se dedicar totalmente à música.
Foi com a canção Se Você Sair Chorando, aos 21 anos, que Geraldo Pereira iniciou sua carreira de compositor, que lhe rendeu certo sucesso no carnaval. Para ele, aquilo era o início da glória. Deixou o emprego público para se dedicar aos clubes, rádios e gafieiras, como forma de propagar seu trabalho. O cantor Moreira da Silva, ao conhecê-lo, gostou tanto dele que solicitou a Wilson Batista que o incluísse no samba de breque Acertei no Milhar, que fez grande sucesso. Seu papel era apenas divulgar a música. Mas naquele mesmo ano, Cyro Monteiro gravou o samba de Geraldo, Acabou a Sopa, vindo a gravar outras canções do compositor. Daí para frente emplacou vários sucessos, como Falsa Baiana.
Geraldo Pereira passou a fazer parte do time dos grandes autores de sambas, sendo gravado pelos Anjos do Inferno, um dos bons conjuntos vocais da época. Também se lançou como cantor de Mais Um Milagre. Atuou no teatro em “Anjo Negro” e no cinema. Mas ele passou a beber muito, chegando até a ironizar a situação em seu samba Bebe Quem Pode. Brigou com o “padrinho” Cyro Monteiro, com os companheiros e amigos, com alguns até fisicamente, e passou a dar calotes, passando os companheiros para trás.
O alcoolismo transformou Geraldo Pereira num homem perigoso que não respeitava ninguém. Na sua loucura alcoólica, achava-se muito valente, topando qualquer parada. O seu tipo, alto e bem arrumado, atraía muitas mulheres. Tinha com elas uma relação ambígua, que variava entre o amor e o ódio. Os contatos com as “irmãzinhas” e “sobrinhazinhas”, como as apresentava, eram geralmente passageiros. Mas Isabel Mendes Silva, com quem viveu junto, foi sua grande paixão. Viviam em meio a tapas e beijos, ciúmes e traições. Para ela fez o samba Liberta Meu Coração.
Geraldo Pereira teve muitos parceiros: Arnaldo Passos, Ary Monteiro, João Batista e outros que viviam de negociar sambas, ou seja, nem sequer conheciam as notas musicais, mas compravam participações, jogando com o sucesso da canção. Também acontecia de obterem a parceria como acerto de dívida. Naquela época, no mundo musical valia tudo. E Geraldo não fugiu à regra. Ganhou dinheiro vendendo seus sambas para pagar suas dívidas de boemia. Mas também gravou sambas de outros companheiros, como se fossem seus, como é o caso de Olha o Pau-Peroba, de Buci Pereira, o que torna difícil saber com exatidão quantas foram as músicas feitas por ele.
Em 1950, Geraldo participou de uma inovação no campo da música nacional – o long-play. Ele gravou, na própria voz, sua composição Ela, que foi muito bem recebida, vindo a realizar com a Sinter Capitol, uma multinacional, novos discos. Os sambas Falsa Baiana e Escurinho foram os seus dois maiores sucessos. Escurinho foi interpretado posteriormente pelos cantores Roberto Silva e Zizi Possi.
Uma lenda criou-se em torno da morte de Geraldo Pereira, atribuindo-a a João Francisco dos Santos, conhecido por Madame Satã. Conta-se que numa briga com o cantor e compositor, Madame Satã deu-lhe um soco e ele caiu, batendo a cabeça no chão. Mas, segundo pesquisadores musicais, o músico sofria de sérios problemas gastrointestinais que foram fundamentais para sua morte. Inclusive, chegou a contar para os amigos que andava perdendo sangue em suas diarreias. Uma de suas certidões de óbito fala em hemorragia intestinal, enquanto uma segunda fala sobre hemorragia cerebral. O fato é que o dito soco pode ter apenas contribuído para a causa de sua morte, pois, sua situação de saúde já era grave. Geraldo Pereira morreu em 1955, aos 37 anos de idade.
Nota
Acessem o link abaixo para ouvirem Acertei no Milhar
http://www.youtube.com/watch?v=2eOpqjyjX6I
Fonte de pesquisa:
Raízes da Música Popular Brasileira/ Coleção Folha de São Paulo
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