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Estudo sobre os grandes nomes da pintura mundial, incluindo o estudo de algumas de suas obras

Raízes da MPB – PAULO VANZOLINI

Autoria de Lu Dias Carvalho sc1

Um pesquisador atento observou que Paulo Vanzolini foi o único sambista que nunca usou a palavra “malandro” em suas canções. Talvez tenha sido o único formado em Harvard, em Zoologia! (Tom Cardoso, jornalista e crítico musical)

A lembrança que eu tenho de São Paulo é de uma paz completa. Era uma cidade meio caipira, mas uma cidade muito mansa, muito pacífica, muito cordial. (Paulo Vanzolini)

O compositor, cantor e zoólogo Paulo Emílio Vanzolini, nasceu em São Paulo/SP, em 1924, tendo morado parte de sua infância na cidade do Rio de Janeiro, onde gostava de ouvir, através do rádio, sambas e marchinhas.

Paulo Vanzolini, ao lado de Adoniran Barbosa, é considerado um expressivo nome do samba paulista, embora não tenha tido formação musical alguma, jamais tendo tocado qualquer instrumento. Contudo, trata-se de um compositor vigoroso, responsável por vários clássicos musicais, em que retrata com saudade a São Paulo de antigamente.

Tendo se formado em zoologia em Harvard, Estados Unidos, Vanzolini foi, durante mais de 30 anos, diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, sem jamais perder o convívio com a boemia e o cotidiano de sua cidade. E desse seu envolvimento com a metrópole nasceram os clássicos: Ronda, Volta por Cima e Praça Clóvis. Com o salário recebido, alugou um lugar para morar na Av. São João.

Apesar de ser ainda muito criança à época, o contato que Vanzolini teve com a música brasileira, na cidade do Rio de Janeiro, foi muito importante na sua vida de compositor. Ali, ele ouviu gente como Ary Barroso, Lamartine Babo, Noel Rosa, Orestes Barbosa, Custódio Mesquita, Ismael Silva, Vadico, Mário Reis, Francisco Alves, Pixiguinha, Radamés Gnattalli, Assis Valente, Aracy de Almeida e Almirante, entre outros.

O Vanzolini compositor começou a surgir nos Regionais da Universidade, quando tentava se desgarrar da proteção exagerada da mãe, em razão de ter tido uma doença rara nos ossos, na infância, e passado por inúmeras cirurgias. Ele queria se ver livre da superproteção com que era tratado.

Vanzolini conseguiu um pequeno espaço no programa Consultório Sentimental, na Rádio América, comandada por Cacilda Becker, sendo promovido a assistente do Dr. Edson Gama. Foi depois convocado para servir o exército, enquanto pipocava a Segunda Guerra Mundial. Chegou a cabo. Com o final da guerra, voltou à vida de antes, e criou o samba-canção Ronda, cuja composição iniciou-se na zona de meretrício. A canção estourou, sendo tocado em todo o país. Ele estava com 21 anos de idade. Foi gravada por sua amiga Inezita Barroso, oito anos depois, acidentalmente, sem fazer sucesso. Mas 30 anos depois, ao ser gravada por diferentes intérpretes, Ronda virou o “hino nacional da fossa”. O compositor não gostou da gravação de Maria Betânia, alegando que ela é mais uma declamadora do que uma cantora.

Ao trabalhar na TV Record, Vanzolini travou amizade com os funcionários e artistas da emissora. Ele e Raul Duarte criaram o I Festival de Velha Guarda, responsável por apresentar uma geração de músicos sensacionais, que seriam jogados no ostracismo com a chegada da Bossa-Nova e, depois, da Jovem Guarda.

Paulo Vanzolini não tinha a preocupação de ver suas músicas gravadas. Gostava de compor para cantar nas rodas de samba com seus amigos, mas, nas voltas que a vida dá, o seu samba Volta por Cima foi gravado pelo cantor Mário Marques Júnior, fazendo um grande sucesso, de modo que até a expressão “dar a volta por cima” passou a fazer parte dos dicionários.

O primeiro disco de Vanzolini a ser gravado, Onze Sambas e um Capoeira, contou com a presença de Cristina Buarque e seu irmão Chico Buarque. O compositor e Chico tornaram-se grandes amigos.

Vanzolini compôs com muitos parceiros como Toquinho, Paulinho Nogueira, Adauto Santos, Elton Medeiros, entre outros, e foi gravado por vários intérpretes como Nelson Gonçalves e Martinho da Vila. Contudo, foi se desencantando com a música, à medida que via seus amigos e parceiros desaparecerem. Morreu aos 83 anos, em 2013, vitimado por uma pneumonia.

Nota
Cliquem no link para ouvirem Volta por Cima
http://www.youtube.com/watch?v=CHUl7pj5S_8

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Raízes da Música Popular Brasileira/ Coleção Folha de São Paulo

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Raízes da MPB – ERNESTO DE NAZARETH

Autoria de Lu Dias Carvalho chiquinha12

Sobrecarregado de trabalho, e em luta constante contra a falta de dinheiro, como Mozart; perdendo a audição de maneira progressiva, como Beethoven; sifilítico, como Schubert; e um final de vida no qual já não estava de plena posse de suas faculdades mentais, como Schumman: a existência de Ernesto de Nazareth foi marcada por episódios que parecem um catálogo dos lances mais trágicos dos compositores da escola austro-germânica. (Irineu Francisco Perpétuo, jornalista, professor e autor)

Nazareth era muito pobre, quase nada lucrava com suas músicas. Tímido por natureza, quase humilde, foi por isso explorado pelas editoras, vendendo suas composições a “dez reis de mel coado” mal cobrindo suas despesas diárias (Luiz Antônio de Almeida)

O pianista e compositor Ernesto Júlio de Nazareth nasceu na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em 1863, no morro do Nheco. Era o segundo filho de um grupo de 5 irmãos, tendo por pai Vasco Lourenço da Silva de Nazareth, despachante aduaneiro, e por mãe Carolina Augusta Pereira da Cunha, que tocava piano.

Naquela época, o piano era um símbolo de status. Ainda não havia rádio ou discos e, para se ter música em casa, era preciso ter um instrumento. O piano era tão requisitado na capital federal do Rio de Janeiro, que a cidade chegou a receber o apelido de “a cidade dos pianos”. E foi no piano que Carolina iniciou os filhos no mundo musical. Mas, para a tristeza da família, ela morreu precoce e inesperadamente.

Quando a mãe faleceu, Ernesto estava com 10 anos de idade. Época em que iniciaram seus problemas auditivos, em consequência de uma queda de uma árvore, o que lhe causou uma hemorragia no ouvido direito. Problema que o acompanharia durante toda a vida, chegando à surdez.

A morte da mãe paralisou os estudos musicais de Ernesto e de seus irmãos. Em razão do luto, o pai proibiu até o uso do piano em casa. Mas o menino ficou numa tristeza tal, que a proibição foi revogada, sendo contratado Eduardo Madeira como seu professor de piano. E assim, aos 16 anos de idade, o adolescente já apresentava sua primeira composição para piano solo: a polca-lundu Você Bem Sabe, levada pelo professor e aluno ao virtuose português do teclado, Arthur Napoleão, que era também professor de Chiquinha Gonzaga. O fato é que a partitura foi posta à venda na firma Arthur Napoleão & Miguéz.

Ernesto compunha e publicava suas polcas (dança de salão de origem europeia). Apresentava-se em renomados clubes cariocas com sucesso. Foi então que seus tios, Júlio e Ludovina, começaram a ajuntar recursos para enviá-lo à Europa, a exemplo de Anacleto de Mesquita e Antônio Carlos Gomes. Contudo, E o rapazinho não conseguiu atingir os sonhos do tio, por falta de recursos financeiros, decepção que amargaria em certa fase de sua vida.

Ernesto de Nazareth casou-se com Theodora Amália Leal de Meirelles. Juntos tiveram seis filhos. Apesar da numerosa prole, já no final do século XIX, ele começou a dar espaço em seu catálogo para um novo gênero: o tango, chegando, inclusive, a receber o apelido de “O Rei do Tango”. Mas esse tipo de tango não trazia semelhança alguma como tango portenho. Com Brejeiro, composição dedicada a seu sobrinho Gilberto Nazareth, Ernesto tornou-se um dos grandes sucessos da música popular brasileira do século XIX. Recebeu, inclusive, letra do poeta, músico e compositor Catulo da Paixão Cearense. Mas a obra não lhe trouxe sucesso financeiro. Com as inúmeras dificuldades pelas quais passava, era tido como “pianeiro”, por ter que tocar em casas de venda de partituras, demonstrando-as para os compradores, o que para muitos era uma atividade menor.

Naquela época, em que a elite brasileira só considerava bom o que vinha da Europa, Ernesto de Nazareth foi um dos 30 compositores escolhidos pelo compositor Luciano Gallet, a ser tocado por seus alunos em um conserto. O que acabou motivando um grande escândalo, pois se tratava de um compositor popular, coisa que a elite rejeitava. Foi necessária a presença de uma força policial para  garantir a realização do evento. Mário de Andrade (autor de Macunaíma), amigo do compositor, no mesmo ano escreveu no “Ensaio sobre a música brasileira”:

“… todo artista brasileiro que no momento atual fizer arte brasileira é um ser eficiente com valor humano. O que fizer arte internacional ou estrangeira, se não for gênio, é um inútil, um nulo. É uma reverendíssima besta.”

Aos 63 anos de idade, em 1926, Ernesto de Nazareth deixou seu Estado pela primeira vez, em direção a São Paulo, já colhendo os frutos da Semana da Arte Moderna de 1922. A acolhida foi tão calorosa que o compositor ali permaneceu 11 meses, fazendo, inclusive, apresentações no interior do estado paulista.

Em 1929, Ernesto de Nazareth ficou viúvo e sua saúde continuou fraquejando. Fez uma turnê pelo Rio Grande do Sul e a esticou até Montevidéu, onde teve uma crise nervosa, tocando piano convulsivamente, tendo que ser retirado à força do bar onde tocava. Ao voltar ao Rio de Janeiro foi diagnosticado com sífilis, que já tinha atingido o seu cérebro, sem possibilidade de reversão. Acabou sendo internado num manicômio. Fugiu do local, um ano depois, e, quatro dias após a fuga, seu corpo foi achado em uma represa, perto do manicômio. Morreu aos 71 anos, em 1934.

Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem Brejeiro
http://www.kalamata.com.br/site/cds/quinteto-villa-lobos-ernesto-nazareth/

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Raízes da Música Popular Brasileira/Coleção Folha de São Paulo

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Raízes da MPB – ISMAEL SILVA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Ao ter composições suas gravadas entre 1928 e 1935 por Francisco Alves e Mário Reis, os cantores mais populares da época, Ismael criou as condições para que o ritmo do Estácio se tornasse sinônimo de samba em todo o país; abriu caminho para que outros “sambistas do morro”, como Cartola, despertassem interesse nos intérpretes; e deixou registradas músicas primorosas como “Se Você Jurar”, “Nem É Bom Falar”, “O Que Será de Mim?” e “Para Me Livrar do Mal”. (Luiz Fernando Vianna, jornalista e escritor)

O compositor, cantor e percussionista Ismael da Silva nasceu na cidade de Niterói/RJ, em 1905. Era filho de Bejamim da Silva, cozinheiro, e de Emília Correia Chaves. Era o quarto filho da família. Quando tinha três anos de idade, perdeu o pai, ficando a família numa situação de miséria. Até para o enterro foi preciso receber ajuda.

Emília, a mãe, para resolver sua precária situação, deixou os quatro filhos mais velhos com os parentes e foi morar no bairro do Estácio, na cidade do Rio de Janeiro, com Ismael Silva, o caçula. Para sustentá-lo, lavava roupa para fora, de modo a não deixar o filho passar fome. Só não o incentivava a estudar, alegando que sabedoria era coisa de branco”. Mas, segundo depoimento do próprio Ismael, ele mesmo procurou um grupo escolar, onde era o primeiro aluno da sala. Aos 18 anos, completou o curso ginasial. Na época, já se encontrava metido com o samba, sonhando em ser compositor.

Ismael Silva, desde muito novo, envolvia-se com jogos e mulheres. Tanto é que aos 14 anos de idade, compôs um samba que dizia:

Já desisti de mulher/Já desisti do trabalho/Agora só me falta/Desistir do baralho.

Começou cedo a tocar pandeiro e tamborim, vindo a tocar violão, anos mais tarde. Nada o seduzia mais do que se vê em meio a uma roda de homens bem vestidos, jogos, mulheres e música, nos bares ou nas ruas. E esse seria o objetivo de vida de Ismael.

Naquela época, era muito comum a compra de músicas, sendo que Mário Reis e Francisco Alves eram tidos como exploradores de compositores pobres. E foi assim que o último chegou até Ismael Silva – comprando o seu samba Me Faz Carinhos, sem que seu nome constasse como autor. O samba foi um sucesso, o que levou Francisco Alves a propor ao compositor gravar suas canções, como se tratassem de parceria dos dois. Como Ismael Silva já tinha parceria com Nilton Bastos, propôs que fizessem um trio de autores. Embora relutante, Chico Alves acabou aceitando, entrando em cena os Bambas do Estácio. A canção Se Você Jurar obteve muito sucesso no carnaval. Mas há uma polêmica entre ser ela apenas do Nilton Bastos ou feita em parceria com Ismael. Depois veio Nem é Bom Falar.

O parceiro Nilton Bastos morreu aos 32 anos, vitimado pela tuberculose, deixando Ismael profundamente abalado. Em homenagem ao amigo fez o samba Ri Pra Não Chorar:

Mesmo sem prazer/Agindo sem querer/Nós devemos disfarçar/Pra não chorar.

Mas foi a música Adeus que remetia à lembrança de Nilton, apesar do machismo da época, deixando interrogações sobre a vida de Ismael:

Por ti, tudo chora!/Sem ti amor, essa vida não tem valor.

No lugar de Nilton Bastos, no trio dos Bambas do Estácio, entrou Noel Rosa que compôs 18 músicas com Ismael Silva, sendo 12 delas também assinadas pro Francisco Alves.

Ismael Silva esteve hospitalizado com sífilis. Quase morreu. Também esteve preso durante cinco anos, quando atirou nas nádegas de um valentão que mexeu com sua irmã Orestina. Ao sair da prisão passou por dificuldades, sem conseguir emprego. Mesmo sendo gravado por alguns cantores, não fez o sucesso de antes. Compôs o samba-canção Antonico, gravado por Alcides Gerardi, que para muitos se tratava de uma música autobiográfica, o que ele negava. Foi gravado por grandes intérpretes: Elza Soares, Gal Costa, Jards Macalé, Martinho da Vila, dentre outros, e por ele próprio, motivando uma virada em sua vida. Passou a se apresentar em vários shows, além de receber muitas homenagens.

Francisco Alves tornou-se um dos desafetos de Ismael. Ele creditava sua mágoa, não ao fato de ter sofrido exploração financeira e humilhação nas ditas parcerias, mas pelo acontecido posteriormente. Conta ele que durante um show, o cantor Francisco Alves chamou-o ao palco, ergueu seu braço e disse para a plateia:

– Este é Ismael Silva, o preto de alma branca!

Ismael teve uma única filha, Marlene, fruto de seu rápido relacionamento com Diva Lopes Nascimento. Mas ele não registrou e nem conviveu com a filha. Embora recebesse muitas homenagens nos seus últimos anos de vida, além de ter a saúde piorada, ainda passava por dificuldades financeiras, sofrendo ameaças de ser despejado por atraso de pagamento do aluguel do lugar onde morava. Via isso como humilhação. Ismael Silva morreu em 1978, aos 73 anos de idade, vitimado por um infarto.

Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem Antonico:
http://www.youtube.com/watch?v=kLH-RctNok8

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Raízes da Música Popular Brasileira/Coleção Folha de São Paulo

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Raízes da MPB – CHIQUINHA GONZAGA

Autoria de Lu Dias Carvalho chiquinha

Antes de vermos Chiquinha Gonzaga mergulhar no ambiente musical carioca, na década de 1870, vamos conhecer um pouco desse ambiente. Os primeiros gêneros populares da música brasileira foram a modinha e o lundu e atendiam assim a demanda básica da sociedade. A modinha se encarregava do aspecto romântico e o lundu traduzia o humor e a sensualidade. No lundu soa claramente a influência rítmica da presença negra no Brasil. Até a chegada da polca em 1845 era essa a nossa música popular. (Henrique Cazes – músico, produtor, arranjador e escritor)

A compositora, pianista, arranjadora e regente Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1935. Seu pai, José Basileu Neves Gonzaga, oficial de uma família de tradição militar, era amásio de sua mãe, Rosa Lima Maria que, ao contrário do pai, era filha de escrava, tendo sido alforriada ao ser batizada. Os dois filhos naturais,  Mamede e Joana, tiveram a paternidade reconhecida depois. Francisca Edwiges foi a terceira a nascer, depois de sua mãe passar por uma complicação durante o parto, inclusive, seu nome foi uma homenagem à santa do dia.

O pai de Francisca contratou o cônego Trindade para ensinar a filha as partes de leitura, escrita, cálculo e catecismo. As aulas de piano foram dadas pelo Maestro Lobo. Ao dar à filha uma primorosa educação, seu pai tinha como objetivo encontrar para ela um bom marido. Antes, o então major legalizou a situação dos sete filhos, casando-se com a mãe de seus rebentos.

Antônio Eliseu, tio de Francisca pelo lado paterno, tocava flauta e animava festas de famílias. Foi ele o responsável pela estreia da sobrinha numa noite de Natal, quando ela tinha onze anos de idade, apresentando sua primeira composição denominada Canção dos Pastores, com versos também de seu irmão Juca, dois anos mais novo que ela.

Chiquinha era uma garota irrequieta, namoradeira, dona de uma personalidade forte, de modo que, na visão daquele tempo, quando tivesse marido e filhos seus modos mudariam totalmente ou, caso contrário, poderia ir para o convento. O fato é que a menina, ainda nos seus 16 anos, casou-se com Jacinto Ribeiro do Amaral, então com 24 anos, filho de uma família importante. E assim, o filho do casal, João Gualberto, nasceu antes que seus pais completassem um ano de casados.

A dedicação de Chiquinha ao piano e à música passou a incomodar Jacinto Ribeiro. Ele precisava viajar ao sul do país, mas deixar Chiquinha sozinha na cidade do Rio de Janeiro preocupava-o, mesmo ela tendo mais uma menina para cuidar: Maria do Patrocínio. Optou então o marido por levá-la consigo. Ela se desesperou por ver a Guerra do Paraguai de perto e por se encontrar longe da música, embora ele lhe arranjasse um violão. E, quando seu marido exigiu que ela escolhesse entre ele e a música, Chiquinha preferiu a segunda. Mas, ao descobrir que estava grávida do terceiro filho, reatou com o cônjuge, contudo, acabou não aguentando dar continuidade ao relacionamento. Após o nascimento do filho Hilário, separou-se dele. Sua família ficou tão revoltada com seu procedimento, que proibiu até mesmo que seu nome fosse pronunciado, considerando-a como morta. E, como o último filho fosse moreno como ela, ao contrário dos outros dois, as más línguas suspeitaram de que não fosse fruto de Jacinto Ribeiro.

A modinha e o lundu foram os primeiros gêneros populares de nossa música. A polca chegou em 1845. E, como não poderia deixar de acontecer, ela acabou ganhando influência da música portuguesa e africana, nascendo daí o choro, sendo o flautista e compositor Antônio da Silva Callado o primeiro líder entre os chorões. Foi ele o responsável por organizar os primeiros conjuntos de choro. E foi através dele que Chiquinha Gonzaga aproximou-se do choro e dos chorões.

Quando estava com 23 anos, Chiquinha apaixonou-se pelo engenheiro João Batista Carvalho, a quem acompanhou nos acampamentos da estrada de ferro Mogiana, no interior mineiro. Quando assumiram o romance, e estando Chiquinha prestes a ter um filho do companheiro, Jacinto, de quem ela havia se separado, mas não legalmente, entrou com um processo de divórcio no Tribunal Eclesiástico, acusando-a de abandonar o lar e de adultério.

Decepcionada com seu novo relacionamento, que acabou em separação, Chiquinha voltou-se totalmente para a música, publicando a polca Atraente, primeira composição a se tornar de conhecimento público. E, ao fazer parte do grupo de Silva Callado, passou a ser considerada a primeira chorona. Ela compunha choro, valsa, polca, tango… Também dava aulas de piano, canto, francês, geografia, história e português, para complementar sua renda. Fazia parte dos encontros de boêmios e intelectuais, engajando-se na causa abolicionista. Mas, após a morte de seu amigo Callado, dedicou-se ao piano, sob o comando de Arthur Napoleão, que veio a se tornar seu editor. Daí entrou no teatro de variedades, recém-chegado ao Brasil, bem diferente das óperas e do teatro, e que vinha atraindo o público.

Em 1884, ao compor a opereta a Corte na Roça, bem aceita pela crítica, Chiquinha foi reconhecida como maestrina, tornando seu nome sinônimo de sucesso. Acabou tendo muito êxito com o teatro musicado. Mas continuou tendo problemas com a família. Não convivia com os filhos, o pai morreu sem lhe conceder o perdão e sua mãe só se aproximou dela após perder o marido. Ela se tornou amiga do grande compositor Carlos Gomes, responsável por acabar com o preconceito que os eruditos do Conservatório dirigiam à sua música. Ela criou sucessos como Corta Jaca e a primeira música de Carnaval, a marcha-rancho Ó Abre Alas.

Chiquinha fez parceria com o farmacêutico e teatrólogo Ernesto Souza. Ele comprou um galpão, onde promovia saraus dos quais participavam ela, já perto de seus 50 anos, tocando piano, e músicos amadores e estudantes. E foi num desses encontros que um estudante português, de 16 anos de idade, apaixonou-se por Chiquinha. O romance ficou em segredo durante dois anos, pois, nem empregados ela contratava para sua casa. Mas, após uma viagem à Europa, e já tendo João Batista Fernandes Lages completado a maioridade, eles se apresentaram como mãe e filho, ao retornarem, embora ninguém acreditasse em tal parentesco, até mesmo pelo sotaque português do gajo. Mas não houve maiores comentários. Ela recebeu amor e dedicação do rapaz, 36 anos mais novo do que ela, que realmente poderia se um de seus filhos.

Francisca, ou Chiquinha, viveu numa época em que a cidade do Rio de Janeiro era dividida meio a meio entre cidadãos livres e escravos, num total de 250.000 habitantes, em meio a problemas de toda ordem. Ela morreu aos 88 anos de idade, em 1935. Sua música, cujo gênero vai do maxixe à música sacra, continua viva, enriquecendo a cultura musical de seu país, além de ter deixado seu exemplo de mulher talentosa e aguerrida, bem adiante do tempo em que viveu.

Nota
Ouçam, clicando no link abaixo, a canção Lua Branca.
http://www.youtube.com/watch?v=SdpQi4ceHYA

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Raízes da Música Popular Brasileira/ Coleção Folha de São Paulo.

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Raízes da MPB – SÍLVIO CALDAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Espírito irrequieto, o que seu jeito de falar sempre rápido e vivo apenas indicava, Sílvio Caldas não se contentou com a vida artística. Foi boêmio, bebeu e fumou até o fim da longa vida, foi dono de casas noturnas, era exímio cozinheiro, pescador e gostava de fazer viagens algo aventureiras. (Hugo Sukman, escritor e crítico musical)

O cantor, compositor, ator e apresentador de rádio e TV Sílvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu na cidade do Rio de Janeiro/RJ, no ano de 1908, numa família musical de 15 irmãos. O pai, Antônio Caldas, era proprietário de uma pequena loja de instrumentos musicais e também afinador, além de compor serestas. O irmão de Sílvio, Murilo Caldas, também foi cantor profissional.

Silvio Caldas, que cantava desde criança, iniciou sua carreira musical cantando samba, gênero que deixaria de ser regional para se transformar em música nacional. Sua estreia deu-se na Rádio Mayrink Veiga, em 1927. Ele criou uma cadência especial. Era dono de grande clareza na pronúncia das palavras e na divisão rítmica, afinação e romantismo, o que chamava a atenção dos compositores daqueles tempos, dentre eles estava Ary Barroso, que levou Sílvio Caldas para cantar no Teatro Recreio, onde também cantavam Francisco Alves e Carlos Galhardo. O samba Faceira foi o primeiro grande sucesso do cantor, em disco.

O teatro musical foi muito importante para a careira artística de Sílvio Caldas. Naquela época, o rádio ainda estava nascendo e a indústria fonográfica ainda em ascensão. Era o teatro musical de revista que trazia popularidade aos grandes compositores e intérpretes. Sílvio foi responsável por lançar grandes clássicos de Ary Barroso, como Maria e Velho Realejo, de Custódio Mesquita e Sady Cabral, Deusa de Minha Rua, de Jorge Faraj e Newton Teixeira, entre outros.

Sílvio Caldas era um boêmio assíduo da noite carioca. Tornou-se amigo de Orestes Barbosa, poeta popular, jornalista e letrista, que vivia próximo dos grandes compositores e cantores que frequentavam o Café Nice, formando uma parceria com ele. Em quatro anos, os dois comporiam cerca de 14 serestas, sendo Sem Você a primeira delas, gravada por Aurora Miranda (irmã de Carmem Miranda). O clássico Quase Que Eu Disse foi gravado por Sílvio e fez parte da trilha sonora do filme de Humberto Mauro, Favela dos Meus Amores, no qual o cantor trabalhava como ator, interpretando o malandro Zé Carioca. Recebeu o título de O Seresteiro do Brasil.

O artista Sílvio Caldas sempre fez sucesso quer no samba ou na seresta (nome genérico dado às valsas, modinhas e canções queixosas). A música de carnaval, Pastorinhas, de Noel Rosa e Braguinha, lançada por ele, faz sucesso até hoje. O cantor era sucesso em qualquer gênero musical, sendo também um excelente compositor, ao lado de Orestes Barbosa. Uma das composições da dupla, do gênero seresta, na voz do próprio Sílvio Caldas, continua atravessando os tempos: Chão de Estrelas, já gravada mais de cem vezes. O poeta Manoel Bandeira encantou-se com o verso “tu pisavas nos astros distraída”, elegendo-o como o mais belo da língua portuguesa.

Mas Sílvio Caldas não ficou apenas nos chamados compositores da Era de Ouro. Também gravou canções mais atuais como Poema dos Olhos da Amada, de Vinícius de Moraes e Paulo Soledad, Viva Meu Samba e Pistom de Gafieira, de Billy Blanco, entre outros. É tido como um dos cinco maiores cantores da conhecida Era de Ouro da Música Popular Brasileira, ou seja, um cantor da melhor qualidade.

Sílvio Caldas morreu aos 90 anos, em 1998, de insuficiência respiratória.

Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem Chão de Estrelas:
http://www.youtube.com/watch?v=wvSsOpA7jm4

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Raízes da Música Popular Brasileira/ Coleção Folha de São Paulo

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Raízes da MPB – JACKSON DO PANDEIRO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Sanfoneiro de boca, solfejava, nota por nota, a partir da sanfona, para Sivuca, Dominguinhos, Severo e quem mais estivesse no palco ou estúdio. Uma máquina de ritmos. O rei do sincopado, do canto com chuleado e veneno, Jackson do Pandeiro foi uma matriz de muitos ritmos, de levadas variadas, de estilos que convergiam numa personalidade original. (Kiko Ferreira, jornalista, radialista e crítico musical)

O compositor, cantor e percussionista José Gomes Filho nasceu em Alagoa Grande,/PB, em 1919, filho de José Gomes, oleiro, e de Flora Mourão, cantora de cocos, que ajudava a família cantando em casamentos, batizados e outros tipos de festas. Naquela época, José nem cogitava de se enveredar pelos caminhos da música. Mas gostava de assistir às rodas de coco feitas em casa pela mãe, aprendendo letras, ritmos e batidas.

Quando José estava na casa dos sete anos, num desses encontros musicais que a mãe fazia em casa, seu acompanhante do zabumba, João Feitosa, faltou. O garoto então assumiu o bumbo. Três anos depois, era o responsável por acompanhar a mãe artista. Contudo, não abria mão de suas brincadeiras com os amigos, imitando personagens de cinema. Seu preferido era o ator americano Jack Perrim, por isso, nas brincadeiras, usava o apelido de Zé Jack.

Para ajudar a família, já com três filhos, tendo a mãe largado de cantar, Zé Jack passou a trabalhar na olaria como pai, até o falecimento desse. Mãe e filhos então se mudaram para Campina Grande, centro maior, indo morar com o cunhado e os filhos da irmã falecida. A vida ficou ainda mais dura para Zé Jack que passou a trabalhar como ajudante de padeiro ao lado dos primos.

Como a família morasse próxima à zona boêmia, Zé Jack passou a frequentar o local, sendo levado principalmente pela música, mas também gostava de ouvir música nas feiras. O menino sabia tocar toda espécie de instrumento de percussão. Depois de acompanhar o amigo Chico Bernardo, cego e cantador e também vendedor de literatura de cordel, é que assumiu o pandeiro.

Aos 18 anos de idade, Jack casou-se na polícia com Maria da Penha Filgueiras, filha de uma prostituta, separando-se pouco tempo depois, não oficialmente, o que lhe rendeu um processo por bigamia, ao se casar tempos depois com Almira Castilho.

Mesmo atuando apenas em saraus, mesas de bar e serestas, Jackson passou a ser visto como um bom músico, acompanhando profissionais da música nos bares, onde esses se apresentavam. Embora não tocasse bem a sanfona, chegou a chamar a atenção de sanfoneiros como Sivuca e Dominguinhos. Mas, como seu salário não desse para comprar tal instrumento, acabou optando pelo pandeiro. E viraria mais tarde Jackson do Pandeiro.

Jack assumiu o lugar de condutor do pastoril (mistura de festa religiosa com profana). Como animador, recebeu o nome de palhaço Parafuso. Depois formou com Zé Lacerda, seu amigo, a dupla Café com Leite, que cantava samba e marchas de carnaval e tocava pandeiro, participando de um show de calouros aos domingos. Tudo sem ganhar nada.

Tempos depois, Jack foi trabalhar num cabaré recém-inaugurado, muito chique, fazendo parte de uma excelente orquestra, onde se tocava gêneros variados: do choro ao jazz, do maxixe à rumba, do tango ao blues. Ao ver no cinema o chapéu do cantor e compositor Manezinho Araújo, adotou a nova moda. Também se encantou com o samba bem humorado e cheio de breques de Jorge Veiga, chegando a colocar no seu repertório músicas dos dois admirados.

Na época da Segunda Guerra Mundial, Jack mudou-se para João Pessoa, indo tocar num bar sugerido pelos amigos. Ao passar a frequentar a boemia, ficou conhecendo a famosa orquestra Jazz Tabajara. Tal era a fama da orquestra que parte dos músicos acabou indo para o Rio de Janeiro e Jackson ocupou uma das vagas deixadas. O salário era muito baixo, mas lhe dava  a oportunidade de ter mais contato com a Rádio Tabajara da Paraíba e o meio musical.

Jack passou a participar de vários grupos da rádio, trabalhando com bons músicos e aprendendo mais sobre o choro, o frevo e as emboladas. Época em que passou a ser chamado de Jackson do Pandeiro. Depois foi para a Rádio Jornal do Comércio, no Recife, fazendo muito sucesso. Fez dupla com Almira Castilho, que se tornou sua parceira de música e na vida pessoal, tornando os dois uma das atrações de maior sucesso do rádio. Jackson do Pandeiro assumiu a posição de cantor e comediante.

Jackson foi contratado pela gravadora Copacabana, onde gravou cinco discos. Depois, seguiu para o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Nunca mais a dupla voltaria a morar no nordeste. Separou-se de Almira, casando-se depois com Neuza Flores dos Anjos, que aprendeu a tocar agogô e formou com ele uma nova dupla. No final de 1969, foi gravado por Gilberto Gil e Caetano Veloso e também por Gal Costa. Influenciou os nordestino: Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Fagner e Alceu Valença.

Jackson do Pandeiro morreu em 1983, aos 64 anos, em consequência de um infarte.

Nota:
No link abaixo, ouçam Chiclete com Banana
http://www.youtube.com/watch?v=EWjLg74cS4A

Fonte de pesquisa:
Raízes da Música Popular Brasileira/Coleção Folha de São Paulo

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