Autoria de Lu Dias Carvalho
Noel Rosa, Orestes Barbosa e Chico Buarque escreveram brilhantes canções sobre o descorno. Mas nenhum soube expressar como Lupicínio a mais acachapante cornitude. Cartola e Nelson Cavaquinho foram mestres supremos do samba-canção. Mas nenhum misturou tão bem o gênero a elementos musicais e poéticos do bolero e do tango. (Arthur de Faria, pianista, arranjador, produtor, compositor e cantor)
O compositor, cantor e boêmio Lupicínio Rodrigues, também conhecido por Lupi, nasceu em Porto Alegre/RS, em 1914. Nasceu numa família modesta de muitos irmãos. Era o quarto da prole e o primeiro dos filhos homens. Durante a infância, ajudava em casa como vendedor ambulante, e outros tipos de trabalho. Seus estudos foram pagos pelo desembargador André da Rocha, de quem seu pai fora agregado. Há, inclusive, suposições de que o artista era filho natural do desembargador. Quando completou o primário, aos 12 anos de idade, já fazia música, sendo depois matriculado num curso profissionalizante de mecânico.
Aos 13 anos de idade, Lupi estreou no Bloco da Moleza como compositor, com a marchinha Carnaval. Aos 15 anos, foi contratado para cantar no conjunto profissional de nome Conjunto Catão. Para evitar que o filho se enveredasse pelo caminho da música, seu pai, apavorado, modificou sua idade de 15 para 18 anos, para que fosse “voluntário” no 7º Batalhão de Caçadores do Exército. Tentativa essa que se tornou inglória, pois o rapazote continuava fascinado pela música.
Quando já era soldado raso, Lupi assistiu encantado ao show dos Ases do Samba, composto por Noel Rosa, Francisco Alves, Mário Reis, Nonô e Pery Cunha. Ficou deslumbrado, mas não teve coragem de falar com eles. Mas, quando se encontrava num boteco com um grupo de amigos, fazendo música, foi surpreendido com a chegada deles. Acabaram se interagindo e Lupi cantou algumas de suas músicas. O grupo visitante ficou encantado com o talento do rapaz, sendo que Mário Reis e Francisco Alves viriam a ser muito importantes para ele no futuro.
Lupicínio Rodrigues tornou-se cabo, mas no carnaval de 1933 passou em frente ao quartel, bêbado e fantasiado. Como castigo foi mandado para a cidade de Santa Maria, a 300 quilômetros de Porto Alegre. Ali ficou conhecendo sua primeira paixão. Como ficasse enrolando a moça, ela se casou com outro, o que fez com que Lupi pedisse baixa no quartel e retornasse a Porto Alegre, voltando a se integrar ao Conjunto Catão, para tristeza de seu pai, que desejava que o filho seguisse seus passos: funcionário público durante o dia e músico nas horas de folga. Mas a música falava mais alto. Ganhou dois concursos musicais. O conhecido cantor, compositor e violonista Alcides Gonçalves gravou, em 1936, músicas em parceria com Lupicínio Rodrigues, obtendo grande sucesso e levando a música do parceiro para o Rio de Janeiro.
Lupicínio Rodrigues conseguiu um grande sucesso popular com o samba Se Acaso Você Chegasse que foi uma maneira de contar a seu amigo Heitor de Barros que estava com a namorada dele. A Revista Globo homenageou-o, chamando-o de “Doutor do Samba”. Resolveu então que estava na hora de ir tentar a sorte na capital federal, onde tudo acontecia. E, sem comunicar ninguém, partiu de vapor para o Rio de Janeiro, com uma passagem de terceira classe, mas, como passou a cantar no navio, ganhou um camarote, vivendo uma semana de mordomia. No Rio de Janeiro, fez amizade com Wilson Batista e Ataulfo Alves. Depois, ficou conhecendo Ary Barroso, Haroldo Lobo, Nássara e Francisco Alves. Pediram então ao gaúcho que cantasse “um negócio aí”. E Lupicínio atacou de: Você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma mulher… e mais outras. Francisco Alves prometeu gravá-las.
No Rio, Lupicínio Rodrigues viveu muitas farras, muitos amores, muitas amizades e também muitas desilusões, mas o dinheiro não entrava. Teve que voltar ao Rio Grande do Sul. E de lá nunca mais partiu. Para sua sorte, até o emprego que deixara estava à sua espera, e nele se aposentou aos 33 anos, sob a alegação de estar tuberculoso, o que jamais foi provado. Oito anos depois, Francisco Alves cumpriria o prometido, gravando músicas suas. Ele entrou no ramo dos negócios, abrindo casas noturnas e se tornando representante regional da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música, por um período de 28 anos.
Francisco Alves voltou a gravar as novas músicas de Lupicínio Rodrigues, em 1948, dentre elas, Esses Moços, escrita por Lupi com a intenção de convencer seu amigo Hamilton Chaves a não se casar. Em 1952, Linda Batista gravou Vingança, que ganhou uma versão em espanhol, em ritmo de tango, gravada por artistas argentinos, virando um sucesso total. Dizem até que a música, com suas imprecações, causou grande reboliço na vida dos amantes infelizes. O fato é que Lupicínio Rodrigues tornou-se um dos compositores consagrados da MPB, mesmo morando em Porto Alegre, longe de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Conta-se que certo dia, Rubens Santos, um carioca parceiro de Lupi em mais de 40 canções, e sócio em restaurantes e bares, irritado com o séquito de mulheres que o amigo levava para comer e beber de graça, reclamou:
– Ô Lupicínio, você parece o São Francisco.
– Mas que bonito, meu camarada. É porque eu vivo cercado de passarinhos? – perguntou Lupi.
– Não, Lupicínio, não é o santo, é o rio. Porque você vive é cercado de piranhas. – respondeu Rubens.
A vida amorosa de Lupicínio foi intensa. Teve uma filha com uma moça chamada Juraci. Como ela estava muito mal de saúde, pediu ao artista que se cassassem para legalizarem a situação da filhinha. Assim, num intervalo de poucos dias, ele se viu solteiro, casado e viúvo. A filha foi morar com Lupi após a morte da mãe. Posteriormente, casou-se com Ceremita que lhe deu o primeiro filho homem: Lupicínio Rodrigues Filho.
Lupicínio tornou-se tão popular, que a capital de seu estado, Porto Alegre, foi chamada de A Capital do Samba-Canção, passando a ser gravado por uma geração nova: Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Nora Ney, Lúcio Alves, Elza Soares, etc. Quando ali esteve, Jamelão e Lupi tornam-se grandes amigos, e o cantor carioca autonomeou-se o principal intérprete de Lupicínio Rodrigues, cantando suas canções até a sua morte.
Com a chegada da Bossa-Nova e da Jovem Guarda, a MPB e os tropicalistas tornaram-se os responsáveis por tirar de cena a geração daqueles compositores, dentre eles Lupicínio Rodrigues. Em 1967, no II Festival Internacional da Canção, sua música No tempo da Vovó nem foi classificada. Mas em 1971, João Gilberto, o mestre da Bossa-Nova cantou Quem Há de Dizer. Caetano passou a cantar Volta em seus shows, depois gravada por Gal Costa, Paulinho da Viola gravou Nervos de Aço, Elis Regina gravou Cadeira Vazia e Maria Rosa. Bruno Barreto colocou Esses Moços como música do filme “A Estrela Sobe”. Não apenas se dando a volta de Lupicínio Rodrigues, mas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus, entre outros.
Lupicínio morreu em 1974, aos 60 anos de idade, de insuficiência cardíaca decorrente de diabetes. A partir de sua morte, vem sendo gravado por inúmeros intérpretes.
Nota
Acessem o link abaixo para ouvirem Vingança
http://www.youtube.com/watch?v=YTyRs8krw9s
Fonte de pesquisa
Raízes da MPB/Coleção Folha de São Paulo
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