Arquivo da categoria: Música

Estudo sobre os grandes nomes da pintura mundial, incluindo o estudo de algumas de suas obras

NA BAIXA DO SAPATEIRO – Waldir Azevedo

Autoria de Edward Chaddadbaiana

Muito se fala sobre Waldir Azevedo como compositor. No entanto, é importante deixar claro que foi também um dos maiores instrumentistas que tivemos. O mundo se maravilhava, por onde ele passava, exibindo seu cavaquinho, com apenas quatro cordas, tirando sons inimagináveis, inacreditáveis, que mexiam com o entusiasmo de todos. Estupefatos e surpresos, este músico fantástico precisava explicar o que era aquele instrumento tão estranho, o cavaquinho.

Um dos momentos mais lindos, como instrumentista, porém, foi sua interpretação, gravada em disco de vinil, pela Continental, da maravilhosa Na Baixa do Sapateiro, de autoria de Ary Barroso. Nela, ele fez uso de um assobiador, no lugar do refrão “Ai, Bahia, ai, ai! Bahia que não me sai do pensamento, ai, ai!” e, na sua maior parte, deu grande rapidez à execução da melodia, destacando bastante, em clímax, o dedilhar de acordes no seu incrível cavaquinho, para, quase no final, alterná-la em ritmo mais lento, como um samba canção e, de repente, retornar ao ritmo quente, em cadência sublime, usando mais uma vez seu cavaquinho, transformando-o em sons divinos. Um show de interpretação!

A gravação de Waldir Azevedo foi o ingrediente que faltava para Na Baixa do Sapateiro tornar-se a coqueluche dos regionais, fazendo o cavaquinho sambar como nunca, pois sua execução – que pode ser ouvida no site do Instituto Moreira Salles – é extraordinariamente bonita, dando uma roupagem linda demais para essa música, que é uma homenagem à Bahia e também uma das mais bonitas daquele grande acervo musical do Brasil.

Por isso, impropriamente, há quem até afirme que a música Na Baixa do Sapateiro tenha sido de autoria de Waldir Azevedo, o que é uma inverdade, embora ele tenha sido um dos melhores intérpretes desta música. Todavia, uma coisa é certa: Waldir fez inovações extraordinárias na música, arranjou-a de tal forma que lhe deu um pouco de seu talento. Fez seguidores. Nossos músicos aprenderam e muito com a sua genialidade, seja como compositor, seja como instrumentista.

É uma pena que no Youtube não haja nenhuma gravação dessa música pelo Waldir Azevedo; porém, depois de muito pesquisar, consegui deparar-me com uma interpretação de Na Baixa do Sapateiro, onde o destaque é o cavaquinho e nela há certamente muita influência de Waldir.

Foi um show na Conservatória, onde se estava fazendo um tributo a Waldir Azevedo. Ronaldinho do Cavaquinho, muito inspirado, fez uma execução desta música bem semelhante àquela gravada por Waldir. Aí vi que não só o compositor Waldir era lembrado, mas certamente, o notável instrumentista também.

Vamos ouvir Ronaldinho do Cavaquinho e poderemos ter ideia do que foi a extraordinária interpretação de Waldir Azevedo. No início, Ronaldinho discorre sobre uma apresentação ao público jovem, dizendo que gosta muito do Funk, mas que a boa música – oriundas das nossas raízes, acabou por reencontrá-lo (então, é recomendável um pouco de paciência), mas depois… sai debaixo, é um show imperdível. Maravilhoso.

http://youtu.be/00OHOTxkhcQ

Também adorei o show do Sembatuta, no lançamento do seu CD Sembatuta Com Tempero, no Teatro Rival BR, Rio de Janeiro, em 17 de março de 2005. É certeza que Waldir também os influenciou muito e mesmo sem perceber, ele estava, ali, presente, no espírito e no coração de todos os componentes deste maravilhoso conjunto. Vale a pena ouvir.

http://youtu.be/8_n79TQTVZ8

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Raízes da MPB – CARTOLA

Autoria de Lu Dias Carvalho cartola

Dentre as dezenas de sambistas com obra de qualidade superior, Cartola ocupa uma posição singular. Suas músicas e letras têm uma “marca d’água” que as torna facilmente identificáveis mesmo por quem desconhece sua autoria. (Sérgio de Oliveira, jornalista, diretor de uma editora de revistas de negócios)

Cartola não tem sucessor, ele que me perdoe lá em cima. Seu trabalho é único. (Paulinho da Viola, tido como sucessor de Cartola)

A fama chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com cortesia. (Carlos Drummond)

O compositor e cantor Agenor de Oliveira nasceu em 1908, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e Guerra Junqueira supriram a sua pouca educação formal. Só havia feito o primário.

Até os 11 anos de idade, o garoto Cartola levava uma vida normal, sempre protegido pelo avô, até a morte dele. Sua família grande, composta pelo pai, mãe e seis filhos, foi obrigada a se mudar para a favela do Morro da Mangueira, onde existiam cerca de 50 barracos que davam início a uma nova favela. Com a vinda de mais três irmãos, foi obrigado pelo pai a trabalhar, uma vez que era o filho mais velho. Tudo que ganhava era entregue ao genitor, o que o revoltava. Cartola não ficava por muito tempo num mesmo trabalho. Passou também a se enturmar com as bocas e os malandros do morro, levado por Carlos Cachaça, seis anos mais velho do que ele, e que se tornou o seu primeiro amigo no morro e, posteriormente, parceiro de sua vida inteira.

O apelido de Cartola veio com o seu trabalho de servente de pedreiro, quando passou a usar um chapéu coco, para proteger sua cabeça do pó de cimento. O fato é que o novo pedreiro passou a usar o chapéu também fora do serviço, nascendo daí o apelido que o acompanhou pelo resto da vida.

Quando tinha 17 anos, Cartola perdeu sua mãe em consequência de um parto. Eclampsia. O médico chamado queria primeiro saber se a família tinha dinheiro para pagar a consulta. Quando chegou com a assistência, a mulher já estava morta. Mesmo assim, o tal médico ainda tentou receber o pagamento. À tragédia vivida pela morte da mãe ajuntou-se a expulsão de casa pelo pai, que não aceitava sua malandragem e a falta de empenho para permanecer nos empregos que arranjava. Assim, Cartola viu-se sem casa e sem família.

O garoto vagava pelo morro, sem paradeiro certo, e passava muitas noites nos trens de subúrbio, indo e voltando, aproveitando para dormir. Acabou encontrando a zona de meretrício, onde fazia e ganhava favores. Ali, também foi acometido por inúmeras doenças venéreas. Sua condição era tão sofrida que, vivendo faminto e doente num barraco emprestado pela Mangueira, ganhou a atenção de uma vizinha. Deolinda, 25 anos, teve pena do rapaz e passou a tratá-lo como se fosse um filho. Mas a coisa não ficou só nisso. Garoto e mulher passaram a ter uma relação mais íntima. O marido abandonou Deolinda, a filha e o sogro. De modo que, aos 18 anos, Cartola já chefiava uma família. E, para ampliar a família, vieram mais tarde morar com eles: uma tia de Deolinda, um primo, um irmão, um amigo de Cartola e uma moça que não tinha onde viver. Deolinda sustentava a casa lavando roupa, pois, seu atual companheiro preferia tomar umas biritas, tocar violão e fazer sambas, embora trabalhasse esporadicamente como pedreiro. E, como o mundo dá voltas, Cartola ainda acolheu o ex-marido de Deolinda, Astolfo, tuberculoso e sem ninguém.

Cartola e seus amigos planejaram criar um “bloco” para alegrar o Morro da Mangueira e os morros vizinhos. O Bloco dos Arengueiros tinha samba no pé. A partir daí, ele e sete amigos fundaram uma escola de samba, a fantástica Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, com o objetivo de reunir todos os blocos do morro. Cartola era o diretor de harmonia e, com diversos parceiros, criava os sambas cantados pela Mangueira nos desfiles. Seu samba passou a ser olhado com simpatia por cantores famosos como Mário Reis que comprou um deles: Infeliz Sorte. Sendo que, entre 1932 e 1933, teve sete sambas gravados pelos cantores mais importantes da época.

Cartola tornou-se amigo do compositor Noel Rosa que almoçava na sua casa, jantava e dormia, muitas vezes. Também se tornou admirado por Heitor Villa Lobos que o ajudou a participar de shows e de um filme. Mas em 1946, foi vitimado pela meningite que quase o levou. A penicilina e os cuidados de Deolinda ergueram-no. Ao se recuperar compôs um de seus clássicos: Grande Deus

Deus, grande Deus/ Meu destino, bem sei, foi traçado pelos dedos teus/ Grande Deus, de joelhos eu aqui voltei para ti implorar/ Perdoai-me, sei que errei um dia(…)/ Julguei, Senhor, daquele sonho jamais despertaria/ Se errei, perdoai-me pelo amor de Maria.

Depois de sua mãe, Deolinda foi a sua grande perda. Morreu em casa, vítima de uma doença cardíaca, deixando Cartola sozinho, rejeitado pela escola de samba que ajudara a criar. Magoado, ele deixou o morro, parou de tocar e compor por um período de seis anos. Muitos supunham que ele estivesse morto. Quando Carlos Cachaça, seu velho amigo, encontrou-o, estava embelecado com certa Donária, vivendo como lavador de carros e vigia de prédios, mas o amigo tirou-o da encrenca. À época, Cartola estava sem dentes, magérrimo, consumindo 2 litros de cachaça por dia e fumando muito. E foi desse jeito que Zita, irmã de Menina, mulher do amigo Carlos Cachaça, aceitou-o, fazendo-o retornar à vida.

Cartola voltou a morar no morro da Mangueira, a contatar os velhos amigos que já o julgavam morto. Ao encontrar Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), foi abordado pelo colunista que falou sobre ele em sua coluna, levando-o para trabalhar na Rádio Mayrink Veiga. Vários admiradores do artista, inclusive políticos, passaram a ajudá-lo, embora ainda não tivesse conseguido se livrar da cachaça totalmente.

Cartola e Zita abriram um restaurante, O Zicartola, onde se reuniam sambistas do morro e a juventude da zona sul carioca. Mas, como não era um bom administrador, o restaurante acabou fechando as portas, mas Cartola continuou compondo sambas, sendo considerado por muitos músicos e críticos como o maior compositor de samba da história da música brasileira.

Cartola já tinha 40 músicas gravadas e pequenas participações em discos coletivos, mas nunca gravara um disco seu. Os executivos das gravadoras alegavam que ele já estava velho. Foi João Carlos Botezzeli, o Pelão, quem conseguiu que ele gravasse seu primeiro LP, que ganhou inúmeros prêmios e foi unanimidade na crítica elogiosa. Reconhecido seu talento musical, Cartola, que foi pedreiro, tipógrafo, lavador de carro, funcionário público e dono de bar, passou a se disputado por gravadoras, vindo a ser contratado pela poderosa RCA-Victor, excursionando pelo país através do Projeto Pixinguinha.

Apesar do sucesso artístico, financeiro e do reconhecimento nacional, o estado de saúde de Cartola era precário. Havia fumado e bebido demais. Foi diagnosticado com um câncer na tireoide, operou, mas não levou a sério o tratamento. Teve um derrame cerebral. O câncer voltou e foi feita nova cirurgia. Cartola veio a falecer em 1980, aos 72 anos de idade. Morreu sem deixar filhos.

Frustação de Cartola

Era sonho seu que Roberto Carlos gravasse uma de suas composições. A sugerida era “As Rosas Não Falam”, mas Roberto recusou gravá-la sob a alegação irônica de que na sua cobertura na Urca, tanto as rosas quanto os outros vegetais mantinham diálogos diários com ele. Hoje, “As Rosa Não Falam” é uma das músicas mais conhecidas e admiradas de Cartola, ao lado de “O Mundo é um Moinho”.

Nota: Ouçam, clicando no link abaixo, As Rosas Não Falam.
http://www.youtube.com/watch?v=te2HfDsXcXs

Fontes de perquisa:
Raizes da Música Popular Brasileira/Coleção Folha de São Paulo
Wikipédia

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Raízes da MPB – LAMARTINE BABO

Autoria de Lu Dias Carvalho

lala

Lamartine Babo era um moderno por excelência. E um pós-moderno, por antecipação. Humorista, fundador do nonsense e do besteirol autóctones, radialista, compositor, ator, cantor, poeta, trocadilhista. Outrora multiartista, hoje seria classificado como multimídia. Ou mesmo neorrenascentista. (Mathilda Kóvak, jornalista, roteirista, escritora e compositora)

Eu era tão magro, que conseguia passar incólume sobre os pingos de chuva. (…) Eu me achava um colosso. Mas um dia, olhando-me no espelho, vi que não tenho colo, só tenho osso. (Lamartine Babo)

Ele escrevia todo o arranjo, cantando a introdução, o meio e o fim, solfejava acordes e sugeria partes instrumentais. A gente só fazia escrever. (maestro Radamés Gnatalli)

Com o canto direito da boca ele faz o trombone; no canto esquerdo faz o saxofone; o pistom sai do meio; o violino pelo nariz; belisca o pescoço e faz pizzicatos; aperta uma narina e imita surdina; e, castigando a mesa, pratos copos e talheres, é melhor que qualquer esquipe de ritmistas. (cronista Nestor Holanda)

O compositor radialista, ator, cantor, poeta e trocadilhista, Lamartine de Azeredo Babo (1904-1963) nasceu na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Ao lado de Noel Rosa, João de Barra, Ary Barroso, Custódio Mequita, Joubert de Carvalho, Antônio Nássara, Vadico, Orestes Barbosa, Assis Valente, dentre outros, Lamartine Babo, também conhecido como Lalá, reinou com sucesso no carnaval carioca e na música, na chamada Época de Ouro da Música Popular Brasileira.

Lamartine Babo nasceu de uma família de classe média, teve 12 irmãos, nove dos quais não chegaram à vida adulta, em razão das várias enfermidades existentes na época, inclusive a febre amarela. Ele era o penúltimo filho de tão numerosa prole. E um dos três que sobreviveram, apesar da magreza que o perseguiu até à vida adulta, quando diziam, troçando dele, que seu pijama tinha apenas uma única listra.

O contato de Lamartine Babo com as letras e a música deu-se muito cedo.  Seu pai, um grande amante da música, abria sua casa para os saraus, e sua mãe era carnavalesca e muito festiva. Naquela época, nas salas de espera dos cinemas havia músicas tocadas ao vivo. O garoto Lalá gostava de acompanhar seu pai, de modo que, aos seis anos de idade, já era capaz de imitar, com a boca, os sons dos instrumentos musicais. Gostava também de acompanhar as bandas do exército tocando suas marchas pelas ruas da cidade. Desse aprendizado infantil, nasceram inúmeras marchinhas na mente criativa do adulto Lalá, e os sons feitos com a boca viriam a se transformar numa orquestra, ao fazer suas músicas embora não tocasse realmente nenhum instrumento. Começou a compor aos 14 anos.

Quando a vitrola passou a substituir o gramofone, Lamartine Babo, junto com sua turma, apressou-se em modernizar a música brasileira, tornando-a nacional e cosmopolita. Até então, a música popular da cidade do Rio de Janeiro era guiada pela batuta do ritmo baiano de origem africana. Lamartine Babo abraçou uma série de gêneros: samba, maxixe, marchas-rancho, foxtrote, tango, valsa, cantiga de folguedo junino, hino de clube de futebol e de concurso de miss, Charleston, conga, embolada, frevo, cateretê, etc.

Lamartine Babo e Noel Rosa, dois baluartes da música popular brasileira, compuseram juntos cinco canções, embora um fosse a antítese do outro. O boêmio Noel buscava sua inspiração em seus complicados relacionamentos amorosos, e só se dedicava à musica, morrendo jovem, vitimado pela tuberculose. Lamartine, por sua vez, trabalhava muito, nas mais diferentes funções: autor e ator de teatro de revista, animador de bloco, entre outros trabalhos, deixando uma grande obra.

Lalá, aos 47 anos, conheceu sua esposa Maria José num hospital de Petrópolis, onde a irmã dela estava internada. Dizia sempre que não tinha sorte no amor. Ele estava no hospital animando os doentes, num trabalho voluntário. Compôs para ela:

O nome dela irradia/ toda a ternura da fé/ tem o M de Maria/e o J de José

Lamartine era muito espirituoso. Após se recuperar de um infarto, deu uma entrevista para um repórter da TV Rio, e perguntou-lhe se a matéria seria editada naquela mesma noite. O repórter disse-lhe que não, pois, havia uma entrevista com o jovem Tom Jobim na sua frente. Ao que ele respondeu:

– Quer dizer então que eu estou um tom abaixo?

Outra que se conta sobre ele é que, quando estava no correio enviando um telegrama, o telegrafista, usando o lápis, enviou a seguinte mensagem para o colega:

 Magro, feio e de voz fina.

Lalá então, pegou-lhe o lápis emprestado e bateu na mesa a resposta:

Magro, feio, de voz fina e ex telegrafista.

Nas letras das canções de Lamartine Babo predominavam o humor e a irreverência. Tinha sempre na ponta da língua um trocadilho ou uma piada. Suas marchinhas de carnaval fizeram dele o Rei do Carnaval carioca. Elas estão vivas até hoje: O Teu Cabelo Não Nega, Linda Morena, etc. Lamartine Babo morreu em 1963, aos 61 anos de idade, vítima de um enfarto, deixando mais de 400 composições. Seu nome se insere no hall dos grandes compositores brasileiros.

Nota:
Ouçam, clicando no link abaixo, Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda.
http://www.youtube.com/watch?v=5V-Zk7wilmo

Fontes de pesquisa:
Raízesda Música Popular Brasileira/Coleção Folha
Wikipédia

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Raízes da MPB – NOEL ROSA

Autoria de  Lu Dias Carvalho

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Que a impressionante perenidade da obra de Noel Rosa se deve à qualidade é fato unanimemente conhecido. Que a qualidade é mais ressaltada quando se sabe que ele produziu tanto em tão pouco tempo, também. (João Máximo, jornalista e escritor)

Já apresento melhoras/ Pois levanto muito cedo/ E deitar às nove horas/ Para mim é um brinquedo/ A injeção me tortura/ E muito medo me mete/ Mas minha temperatura/ Não passa de trinta e sete/ Creio que fiz muito mal/ Em desprezar o cigarro/ Pois não há material/ Para o exame de escarro”. (Carta de Noel para seu médico no Rio de Janeiro)

O compositor, sambista, violonista, bandolinista e cantor Noel Rosa (1910-1937) nasceu no bairro de Vila Isabel/RJ, bairro de classe média baixa, onde muitos talentos ligados à música eclodiram, e os botequins funcionavam como pontos de encontro e a música dava o tom. Ainda menino, Noel começou a tocar violão, participando de serenatas, com suas canções românticas, nos saraus da rua.

Noel Rosa tinha uma deformidade no queixo, advinda de seu nascimento complicado. Além da bacia estreita de sua mãe, o médico responsável pelo parto era inexperiente, cursando ainda o último ano de faculdade. Assim, Noel chegou ao mundo puxado por um fórceps, e uma lâmina do instrumento mal manejado fraturou-lhe a mandíbula direita. À medida que crescia, a deformidade acentuava-se, pois, o osso do lado fraturado não acompanhava o crescimento do osso do lado normal. Apesar das operações feitas na adolescência, nada resolveu seu problema. Contudo, os amigos diziam que isso nunca foi capaz de constrangê-lo. Alguns atribuíam à deformação do queixo de Noel a letra de algumas canções, como:

Eu nascendo pobre e feio/ Ia ser triste o meu fim/ Mas, crescendo, a bossa-nova veio/ Deus teve pena de mim…

Noel Rosa não era um tipo comum. Tinha um temperamento mesclado pelo inconformismo, pela transgressão e por seu desacerto com o moralismo da época. Para muitos, vivia acompanhado de “más companhias”: negros do morro e malandros, liderando-os. Em seus tempos de estudante gostava de divertir seus amigos com paródias obscenas, além de botar-lhes apelidos. Mas também tinha os seus momentos de silêncio e introspeção.

Quando cantou “Com que roupa?” no carnaval de 1931, o sucesso de Noel Rosa foi estrondoso, e ele se convenceu de que seu caminho estava direcionado ao samba nascido nos morros, esparramado pelas comunidades negras responsáveis pelo aparecimento das escolas de samba. E, por isso, deixou o Bando dos Tangarás, em que tocava e cantava.

Noel Rosa era criticado por “se meter com gentinha”. Só não imaginavam seus críticos que essa “gentinha” talentosa deixaria o nome impresso na história da música popular brasileira: Cartola, Ismael Silva, dentre outros.

Francisco Alves, cantor e compositor, era um dos artistas mais influentes da época. Foi ele quem apresentou Noel Rosa a Ismael Silva. Daí para frente, ele caminhou sozinho. Embora ninguém conseguisse viver de música popular em 1931, pois, atividade de rádio era exercida por idealistas e por aqueles que queriam se tornar conhecidos, Noel abandonou o curso de medicina para ser apenas cantor de rádio.

Depois que Getúlio Vargas assinou o decreto que permitia a veiculação de anúncio no rádio, os artistas passaram a receber cachês, pois, os programas de rádio tornaram-se patrocinados. Francisco Alves e Carmen Miranda detinham os maiores cachês, com contratos fixos, enquanto Noel Rosa aparecia numa emissora ou noutra, ocasionalmente, recebendo muito pouco por seu trabalho e vivendo com muita dificuldade. Seus 7 anos de carreira sempre transcorreram assim.

Na primeira metade de sua obra, num total de pouco mais de 250 canções, em razão da vida curta do artista, Noel Rosa fez parcerias com compositores do morro e com outros grandes talentos da música popular brasileira: Ary Barroso, Sílvio Caldas, Lamartine Babo, João de Barro, entre outros. Mas sua melhor parceria foi com Osvaldo Gogliano, o Vadinho, com quem teve 11 coautorias da melhor qualidade.

Em 1934, aos 24 anos, Noel Rosa encontrava-se afetado pela tuberculose nos dois pulmões. Meio a contragosto, casou-se com Lindaura Mendes, e veio para a casa dos tios em Belo Horizonte, cidade com bom clima, com o objetivo de se curar da doença. Assim que voltou para o Rio, seu pai, que se encontrava internado num sanatório, suicidou-se. Nessa mesma época, ele desfez a sociedade que tinha com Francisco Alves e Ismael, o outro sócio, teve que se afastar para cumprir pena por ter tentado matar um inimigo. E, para completar a fase ruim, Noel perdeu Ceci, sua grande paixão e musa de muitos dos seus sambas, que havia conhecido num cabaré, numa noite de São João, para Mário Lago. Dama do Cabaré é um dos sambas. Dedicou também a ela uma das suas mais belas canções: Último Desejo.

Nosso amor que eu não esqueço/ E que teve seu começo/ Numa festa de São João/ Morre hoje sem foguete/ Sem retrato e sem bilhete/ Sem luar, sem violão.

Perto de você me calo/ Tudo penso, nada falo/ Tenho medo de chorar/ Nunca mais quero seu beijo/ Mas meu último desejo/ Você não pode negar.

Se alguma pessoa amiga/ Pedir que você lhe diga/ Se você me quer ou não/ Diga que você me adora/ Que você lamenta e chora/ A nossa separação.

Às pessoas que eu detesto/ Diga sempre que eu não presto/ Que meu lar é o botequim/ Que eu arruinei sua vida/ Que eu não mereço a comida/ Que você pagou para mim.

Mesmo doente Noel Rosa arranjou um emprego de contrarregra na Rádio Clube do Brasil. Escreveu sketches humorísticos, paródias musicais radiofônicas, uma opereta em parceria com o maestro Arnold Gluckmann, músicas para os filmes Cidade Mulher e Alô, Alô, Carnaval.

As canções de Noel Rosa são como um retrato do cotidiano da época, sempre primando pelo humor e pela crítica. Morreu na flor da mocidade, aos 26 anos, levando todo o seu talento e deixando a música popular brasileira mais pobre.

Nota: Ouçam, clicando no link abaixo, Último Desejo
http://www.youtube.com/watch?v=zddl6gX8veY

Fonte de pesquisa:
Coleção Folha/ Raízes da música popular brasileira

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CONSTRUÇÃO

Autoria de Lu Dias Carvalho

chico

O álbum Construção do compositor e cantor carioca Chico Buarque, o quinto de sua carreira, lançado em 1971, é um dos mais aclamados pela crítica. Parte das canções que nele constam foram compostas quando o artista encontrava-se exilado na Itália, onde permaneceu por um período de quase 15 meses. As demais foram compostas após a sua volta ao Brasil.

Até então, Chico era visto pela mídia como um bom moço, sem um engajamento político mais contundente, e como o Noel Rosa contemporâneo, postura que começava a incomodá-lo. É fato que, até então, suas canções traziam uma crítica velada à ditadura que vigorava no Brasil, mas nada que o comprometesse seriamente. A ditadura ofereceu a Chico Buarque a oportunidade de dar uma virada total em sua vida pessoal e artística, quando foi submetido a um interrogatório cheio de tensão, logo após a promulgação do Ato Institucional nº 5. No mês seguinte, o artista deixou o Brasil, escolhendo a Itália como asilo.

Segundo a crítica, o álbum Construção apresenta uma mistura de revolta e lirismo, aguçando o lado rebelde e poético de Chico Buarque, sendo que canções como Construção, Deus Lhe Pague e Cotidiano são tão bem elaboradas, cheias de um refinamento poético e de uma crítica cortante, que permanecem até hoje como obras-primas do autor e da MPB. E para consagrar o álbum em questão, inicia-se aí a parceria de Chico com Vinícius de Moraes.

O compacto simples feito com as músicas Apesar de Você (um hino do inconformismo com os “anos de chumbo”) e Desalento (desabafo romântico e comovente) do outro, em 1970, em apenas três semanas atingiu a vendagem de 100 mil cópias, sendo ordenado o seu recolhimento do mercado pelos censores da ditadura.  Chico acrescentou a canção ao álbum Construção, contribuindo assim para um sucesso ainda maior do mesmo. Em apenas quatro semanas foram vendidas 140 mil cópias.

O álbum Construção foi visto por parte da mídia como “o melhor disco feito nos últimos 20 anos no Brasil”. E na década de 2000, entrou numa lista da Revista Rolling Stone (versão brasileira) como o terceiro melhor disco de todos os tempos. Também está presente em “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”, livro elaborado por jornalistas e críticos de música, reconhecidos em todo o mundo.

A métrica de Construção, faixa título do álbum, com arranjo do maestro tropicalista Rogério Dupret, é de uma beleza ímpar. A letra comovente trabalha com palavras que mais se parecem com os tijolos de uma construção, seguindo uma ordem impecável, onde cada verso dodecassílabo é arrematado com uma palavra proparoxítona. A letra é feita de comparações que levam a um único fim: a morte do operário (Agonizou no meio do passeio público / Agonizou no meio do passeio náufrago / Morreu na contramão atrapalhando o sábado).

A canção descreve a morte trágica de um operário da construção civil, morto enquanto trabalhava. Conta a sua história, desde a hora em que ele sai de casa para trabalhar, (Amou daquela vez como se fosse a última) até o momento em que seu corpo toca o chão (Morreu na contramão atrapalhando o tráfego), mostrando a realidade aviltosa existente entre o trabalho e o capital, sendo o operário visto apenas como alguém que, ao morrer num acidente de trabalho, apenas “atrapalha o tráfego”.

A ironia mais contundente fica por conta do agradecimento feito pelo operário (operários) ao sistema:

(…)
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague!

Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague

Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem CONSTRUÇÃO.

https://www.youtube.com/watch?v=JnOAYO8aOrU

Fontes de pesquisa:
Construção / Abril Coleções
Wikipédia

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A ERA DO RÁDIO E SUAS RAINHAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O rádio foi e continuará sendo a eterna caixinha mágica presente em todos os lares brasileiros e, muitas vezes, o único veículo de comunicação em muitas regiões do país. Embora a televisão e a internet tenham tomado grande espaço, o rádio continua presente na vida de muitas pessoas, quer para ouvir um jogo de futebol, quer para ouvir música ou notícias.

Os brasileiros tiveram a sua primeira transmissão radiofônica em 07/09/1922. Epitácio Pessoa, presidente na época, fez um pronunciamento e a ópera O Guarani (Carlos Gomes) foi transmitida diretamente do Teatro Municipal. Consta nos anais da história que muitas pessoas ficaram hipnotizadas pela caixa mágica.

A década de 30 marcou o apogeu do rádio, como veículo de comunicação de massa, refletindo as mudanças pelas quais o nosso país passava. Em 1939, época da Segunda Guerra Mundial, o rádio tornou-se importantíssimo, trazendo as notícias da guerra. Edgard Roquete Pinto, importante antropólogo brasileiro, foi considerado “o pai do rádio” no nosso país.

O ápice do rádio no Brasil aconteceu a partir dos anos 40, quando o país assistiu ao surgimento de ídolos e novelas, e passou a editar revistas que expunham o meio artístico. Dessa época, podemos citar nomes como o de Mário Lago, Cauby Peixoto, Emilinha Borba, Paulo Gracindo, Janete Claire e muitos outros que eram retratados na Revista do Rádio, de Anselmo Domingos.

De norte a sul do Brasil, as rádios começaram a influenciar o modo de vida das pessoas, lançando ao estrelato grandes nomes da música, como Francisco Alves, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Silvio Caldas, Dóris Monteiro, etc. O pós-guerra foi marcado pelos concursos de “rainha” e “rei” do rádio, destacando-se nesse período a cantora Dircinha Batista, que ganhou o título a partir de 1948, mantendo-o por 11 anos. Esses concursos cativaram ouvintes, que formaram fãs-clubes para as eleições anuais de seus ídolos.

Embora por várias décadas tenha tido papel de destaque na sociedade brasileira, em fins da década de 1950, com a concorrência da televisão, o rádio começou a perder prestígio, uma vez que a televisão reunia som e imagem. Mesmo assim, continua em ação.

Revista do Rádio

Dentre as publicações da época, a mais famosa foi a Revista do Rádio. Era uma revista de “fofocas”, cujo carro-chefe era a seção denominada Mexericos da Candinha. Nela, uma personagem criada pela redação da revista, colocava notas sobre a vida pessoal dos artistas.

Dentre os artistas da Era do Rádio, Dalva de Oliveira foi considerada como uma das maiores cantoras brasileiras. Com sua voz aguda e estilo marcante, ela teve uma carreira de muito sucesso. Travou uma luta árdua com a imprensa, que a marcava sem dó ou piedade, em relação a sua vida pessoal (casamentos, separação, família…).

Ao morar na Argentina por um longo tempo, Dalva teve a sua carreira estacionada, gravando poucos discos, no período. Ela era muito carismática, talvez uma das artistas mais amadas na história do país, sendo imitada por muitas cantoras no início de suas carreiras. Por onde passava, as pessoas corriam para vê-la. Foi uma das cantoras mais bem pagas do Brasil, deixando gravados muitos sucessos.

 Fontes de pesquisa:
http://www.radioclaret.com.br/port/frame.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_do_R%C3%A1dio

Nota: As rainhas do rádio: Dalva, Linda, Dircinha, Emilinha e Marlene
Imagem copiada de valdoresende.com

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