Autoria de LuDiasBH
Por favor, todos vocês, ouçam-me por piedade!
Parem todos os relógios e as máquinas; calem
os telefones fixos e os móveis; ensurdeçam as
vozes dos homens e animais; enrouqueçam os
instrumentos e sons dos arredores; emudeçam
todos os sonidos da Terra e que só as lágrimas
anunciem a descida de seu corpo, seguido pelo
murmurar choroso do vento:
— Ela partiu! Ela foi embora para sempre!
Que as aeronaves singrem no ar lastimando-se
e que escrevam nos céus a verdade mais cruel:
ELA PARTIU para nunca mais voltar.
As estrelas não são bem vistas, apaguem-nas,
uma a uma, por favor! Guardem eternamente
a lua, as flores; desmontem pra sempre o sol e
a brisa; escureçam o azul do céu de uma vez;
despejem os oceanos na amplitude do Cosmo;
livrem-se da música, das flores e árvores onde
cantam os curiós, sabiás, canários e rouxinóis
porque coisa alguma trará a beleza de tempos
atrás e nada existe que possa minimizar minha
dor, pois eu nunca mais ouvirei o som doce de
sua voz no durar de meus dias na Terra.
Por favor, meus parentes e meus amigos, atem
laços violetas nas torres das igrejas; botem um
manto roxo nos letreiros luminosos; inibam as
crianças de divertirem-se nos parques; enlacem
tarjas negras nos braços dos passantes; cubram
a felicidade impressa no rosto dos enamorados;
empanem de preto a cor verdejante dos campos
e deixem-me também murchar, expirar, morrer,
porque minha vida já não tem mais significado.
Eu lhes suplico, ó gentis presentes, que não me
estanquem a voz com frases feitas; não me falem
de céu, paraíso ou eternidade; não me consolem
com promessas vazias e não me entorpeçam com
o sono da caridade, pois tudo será inútil diante da
dor pungente que me dilacera corpo e alma. Mas,
por favor, abracem-me! Apenas abracem-me!
Ó minha mãe e adorada amiga, jamais tocarei
de novo a sua face e nem sentirei a ternura de
seu abraço; não ouvirei sua voz chamando por
meu nome e nem sentirei o repercutir de seus
passos pela casa. Quando a noite ou o dia vier,
eu estarei só, e sozinha estarei quando a vida
me machucar, pois você era o meu Norte e o
meu Sul, era também o meu Leste e o Oeste.
Você, minha mãe, era tudo para mim — o meu
incondicional amor — desde que visitei a Terra.
Era os meus dias úteis e meus finais de semana,
a minha força, os meus causos, a minha poesia
e era também a minha alegria mais profunda.
Eu imaginava que o amor de mãe fosse eterno,
porém a realidade aparece agora nas lágrimas
que ora correm pelo meu rosto murcho e roto,
na dor que despedaça meu coração sem rumo,
coo sentimento forte de ter morrido junto, para
depois constatar angustiada que fiquei pra trás,
aqui, sozinha neste vasto e inseguro mundo.
Que nos abracemos agora todos nós, filhos sem
mãe, deserdados do amor materno. Que o nosso
conforto seja capaz de arrefecer o nosso luto, por
termos ficado tão sós, sós nos braços do mundo.
Mas a vida deve continuar, dizem os sábios, pois
assim é, nada há que a mude, apesar de tudo.
Nota: poema em homenagem à minha mãe Etelvina Dias e a todas as mães que já nos deixaram. Foi inspirado no poema “Funeral Blues” de W. H. Auden.
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