Não é fácil passar uma noite acompanhando alguém que só fala abobrinhas. Ninguém merece tamanho desatino, ainda mais quando se sai de casa com o intuito de divertir-se. E foi justamente uma senhora, com uma dessas mentes de ameba, que se sentou ao meu lado, durante o jantar de noivado de um casal de amigos.
Éramos cerca de duas dúzias de pessoas, algumas das quais – parentes do noivo – eu jamais vira. Os lugares na mesa traziam o nome das pessoas no intuito de fazer com que houvesse interação entre conhecidos e desconhecidos. E o meu estava lá, entre a dita senhora e seu esposo, um senhor de óculos, taciturno, totalmente desligado do mundo à sua volta, mas com um apetite voraz e cujos olhos não desgrudavam do prato. À direita estava sua caricaturesca senhora, uma matraca viva. Ao contrário de seu varão, a varoa não mostrava nenhum interesse pelas iguarias servidas, pois se encontrava sob os ditames do regime. Estava ali apenas para matraquear, sem nenhum interesse pela sua ouvinte – no caso eu, esta criaturinha pura e indefesa que ora escreve (sem risos). A pessoa da ilustração sou eu gritando: – Pare!
Eurides Flores Pombal começou desfiando a sua árvore genealógica, sendo que em cada galho habitava uma “ilustríssima” personagem, responsável por ter feito isso e mais aquilo pelo país. A seguir pôs-se a descrever seus giros pelo mundo, só lhe faltando conhecer o Monte Olimpo. Parolou minutos a fio sobre suas cirurgias, feitas nos centros mais renomados do país. Tagarelou sobre seus amigos endinheirados, figuras do mais alto escalão da república tupiniquim. E eu ali, mudinha da silva, com um sorrisinho amarelo, tentando levar a tortura numa boa. E pior, não conseguia comer nada, embora estivesse faminta, pois a matrona era daquele tipo que, se o interlocutor não estivesse olhando – olhos nos olhos –, ela fincava o seu dedo no braço dele. Meu marido e eu deixamos o grupo às três horas da madrugada.
Tive um pesadelo horroroso após poucos minutos de sono. Comecei a ver abobrinhas saindo aos montões da bocarra da dita madame. Elas caíam pela mesa, derrubando tudo: taças de cristal, travessas de porcelana e tudo que se encontrasse pela frente, num caos infernal. Tapei os olhos com a barra da toalha de linho branco, derrubando o resto de coisas que ainda jaziam de pé. As pessoas levantaram-se de seus assentos e começaram a gritar comigo, todas falando ao mesmo tempo. Acordei gritando:
– Abobrinha, não! Abobrinha, não! Abobrinha, não!
E por falar em abobrinhas, a expressão “só fala abobrinhas”, muito conhecida em nossos dias, originou-se quando a nossa moeda ainda era o cruzeiro e a nota de mil cruzeiros ganhou o apelido de abobrinha, pois a cédula tinha a cor do fruto da aboboreira. Com a inflação galopante, ela foi perdendo progressivamente o seu valor de compra. Hoje, “falar abobrinhas” significa uma conversa sem sentido, sem crédito, papo furado, ou seja, totalmente sem significância.
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