Daumier – DOM QUIXOTE

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O pintor francês Honoré Daumier (1808-1879) entrou aos 14 anos de idade para o atelier de Alexandre Lenoir, um antigo aluno de Jacques-Louis David. Também estudou escultura antiga no Louvre e as obras de Ticiano e Rubens. A liberdade de expressão chegou à França após a Revolução de 1830, o que sinalizou para que a arte da caricatura política se tornasse livre e ganhasse grande importância. Como era um grande admirador da República, Daumier passou a trabalhar com esse tipo de caricatura, principalmente com as que satirizavam o rei Luís Felipe. Ficou seis meses na prisão por causa de uma delas. Daumier Iniciou a pintura de quadros aos 37 anos de idade, vindo a transformar-se no maior representante do Realismo Social na pintura. Sua capacidade de síntese era tamanha que nenhum outro pintor do século XIX conseguiu igualá-lo. Morreu na miséria e quase cego numa casa que lhe foi dada. Apesar de ser visto como um exímio gravurista, foi também um dos mais importantes pintores do século XIX.

A composição intitulada Dom Quixote é uma obra do artista que criou cerca de 25 pinturas a óleo, aquarelas e desenhos a carvão para ilustrar a obra de Miguel de Cervantes. Ele ficou maravilhado com as obras sobre Dom Quixote nos seus últimos anos de vida, quando enfrentava a velhice e a cegueira. Compôs uma série inteira sobre o tema.  Aqui ele retrata Dom Quixote em seu cavalo num terreno baldio e despovoado, o que aumenta ainda mais a sensação de solidão do cavaleiro magérrimo que cavalga um esquelético cavalo branco, preenchendo a parte central da pintura. O fundo montanhoso e arenoso apenas lembra uma paisagem. Ao observador cabe imaginar o que o cavaleiro enfrenta à sua frente.

Daumier era particularmente fascinado pelos personagens de Dom Quixote, o homem com delírios de grandeza, e Sancho Pança, seu ajudante simples, mas leal. Raramente acrescentava outros personagens em seus desenhos. Começou pintando cenas com os dois personagens viajando e, com o tempo, foi abandonando as referências específicas ao livro e transformou-se em Dom Quixote e Sancho Pança caminhando sozinhos em uma estrada aberta. Ao final da vida, passou a criar apenas a figura de Dom Quixote, fato que, na visão dos historiadores, não significa a eliminação de Sancho Pança, mas a fusão dos dois personagens em um só. Isso lhe possibilitou expressar as duas facetas de sua personalidade: o cartunista sarcástico e o pintor sensível. Seu crescente problema de visão fez com que as imagens fossem se tornando cada vez mais simplificadas.

Dotado de uma invejável capacidade de síntese, Daumier coloca em sua tela apenas os elementos minimamente necessários. Tanto a figura de Dom Quixote quanto a de seu cavalo são estilizadas até chegarem à deformação esquelética. Ele usa a iluminação, não para modelar as duas figuras, mas para eliminar toda a corporalidade tangível, como se ambas não passassem de uma ilusão aos olhos do observador. O fundo do quadro, com seu colorido irreal, repassa a sensação de uma paisagem de outro mundo. O que sugere ser um pequeno triângulo à direita, lembra que o fundo é arenoso e  também montanhoso.

O pintor é minimalista no uso da cor. Na tela estão presentes as cores: preta, branca, azul, amarela e vermelha. O rosto e a mão do personagem são marrons, diferente de sua perna esquerda que é branca, como se englobasse os dois personagens: Dom Quixote e Sancho Pança. O uso da luz é bem sutil. Cavalo e cavaleiro deixam uma sombra no chão amarelado. A pincelada simples do artista está ligada ao fato de sua perda de visão. A comprida lança atrai imediatamente o olhar do observador.

Ficha técnica
Ano: c.1868
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 52,2 cm x 32,8 cm
Localização: Bayerische Staatsgemäde – Sammlugen – Munique, Alemanha

Fontes de pesquisa
Obras-primas da pintura ocidental/ Taschen
https://www-artble-com.translate.goog/artists/honore_daumier/paintings/don_quixote?_x_tr_sl=en&_x_tr

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UM NOVO ESTILO – REALISMO (Aula nº 80)

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Autoria de Lu Dias Carvalho                                               (Clique na imagem para ampliá-la.)

Na nossa viagem pela História da Arte passamos por diferentes épocas da história da humanidade: Pré-História (Período Paleolítico/ Período Neolítico/ Idade dos Metais), Antiguidade, quando nos defrontamos com a arte do Mundo Antigo (Egito/ Grécia/ Roma) e a Arte Bizantina. Na Idade Média tivemos contato com dois importantes estilos: Românico e Gótico. Na Idade Moderna travamos contato com os seguintes estilos: Renascimento, Maneirismo, Barroco e Rococó. Adentramos na Idade Contemporânea — esta em que vivemos, iniciada no século XVIII, continuando até os nossos dias —, responsável por um grande leque de estilos. Já vimos: Neoclassicismo, Romantismo e agora nos embrenhamos na história do Realismo.

O Realismo — movimento que surgiu na França em meados do século XIX — tinha como objetivo o afastamento formal e estilístico das cenas idealizadas e naturais, assim como da pintura histórica que obedecia aos ditames da arte acadêmica do início do século XIX. O novo estilo desejava romper definitivamente com a tradição artística do passado, ao buscar uma arte objetiva em suas representações e referências. Suas sementes foram lançadas quando em Paris, no final da década de 1840, um grupo de artistas, escritores e intelectuais passaram a reunir-se num bar, Brasserie Ander, onde debatiam variados assuntos, abrangendo desde políticas radicais e questões sociais a tendências artísticas. O local passou a ser chamado de o “Templo do Realismo”, nome que o pintor francês Gustave Courbet viria a usar posteriormente em sua arte.

O desenvolvimento de uma consciência social cada vez maior e de uma crença na democracia e na liberdade individual fez com que revoltas políticas estourassem na metade do século XIX. As ideias fundamentais dos filósofos alemães — Karl Max e Friedrich Engels — que pregavam a igualdade social e a distribuição justa das riquezas, espalharam-se, tornando-se a razão de grande parte da obra realista. Dentre os fatores que contribuíram para que as ideias realistas ganhassem vida estava a situação dos pobres das áreas urbanas e rurais. Eles se viram numa situação de privação e miséria em razão do crescimento descontrolado da população, das inúmeras quebras de safras e do aceleramento da industrialização. Esta junção de fatores acabou gerando grande instabilidade, resultando na Revolução de fevereiro de 1848 que teve como ganho a garantia do voto universal para os homens, assim como o “direito ao trabalho”. Dentro de tal contexto os pobres passaram a ter voz na política.

Os pintores realistas aproveitaram-se de tais transformações sociais e políticas para contestarem tudo aquilo que não aceitavam, como o fato de as autoridades artísticas dizerem-lhes o que podiam ou não fazer, ou a presunção de que só um fato importante podia ser algo digno da arte. Também mostraram sua indiferença pelo Romantismo (estilo anterior), ao retratarem pessoas e acontecimentos do dia a dia, usando um estilo de pintura naturalístico, quase fotográfico, tendo como principal objetivo a observação o mais fiel possível. As cenas eram pintadas na maioria das vezes em grandes telas, com a intenção de dar-lhes a mesma importância conferida às pinturas que representavam grandes eventos históricos. Aos realistas não importava mostrar figuras belas ou feias, mas mostrá-las simplesmente reais.

O pintor francês Gustave Courbet é tido como o líder do movimento realista, sendo que sua obra intitulada “O Ateliê do Artista” é vista como uma declaração de seus princípios políticos e artísticos. Ao mesmo tempo em que compõe sua obra usando um estilo grandioso, próprio da pintura histórica, aborda uma temática realista ao apresentar seu estúdio, onde se reuniam pessoas das mais diferentes classes sociais, evidenciando sua crítica à postura idealizada da arte acadêmica. Sua tela não foi aceita pelo júri do Salão de Paris de 1855. Em resposta Courbet construiu um espaço próprio intitulado “Le Réalisme” que acabou atraindo uma geração mais jovem de artistas parisienses.

Os pintores realistas encontraram no interior rural um lugar propício para suas obras, nas quais retratam principalmente paisagens tristes. As pinturas rurais foram objeto, sobretudo para os artistas da chamada “Escola de Barbizon”, criada por um grupo de pintores sob a liderança de Jean-Baptiste-Camille Corot, Thèodore Rousseau, Jean-François Millet e Charles-François Daubiny, que se inspirou nas cenas pintadas pelo artista inglês John Constantable. Eles não só pintaram a natureza como tema principal, como nela inseriram personagens, a exemplo de Millet em sua obra “Os Catadores” em que inclui camponeses. Os membros desse grupo tinham em comum, sobretudo, a repulsa pela artificialidade da arte acadêmica. Propunham-se representar as cenas que viam com o maior realismo possível. Esses artistas foram mais tarde citados pelos impressionistas como inspiração para o novo estilo que criariam — o Impressionismo.

Os críticos que até então conviviam com as formas idealizadas da arte acadêmica achavam tudo aquilo bizarro. Para eles os artistas realistas faziam uma busca deliberada pela feiura. No entanto, os realistas não tinham compromisso com a beleza, mas com a verdade. Transgredir a arte acadêmica à época era tido como um absurdo sob o ponto de vista dos imponentes censores da arte. Achavam, por exemplo, um disparate o tamanho grandioso das pinturas naturalistas que retratavam as cenas rurais que para eles tinham apenas a finalidade de transmitir aos cidadãos urbanos certo escapismo. E pior, essas ainda mostravam as condições do trabalho daquela gente, o que para os conservadores cheirava perigosamente a socialismo.

A França, ao abraçar um movimento coerente com seus ideais, foi a grande fomentadora do Realismo. As tendências naturalistas, ainda que em menor escala, ganharam projeção em vários países europeus, como Áustria, Alemanha e Itália, o que possibilitou diferentes graus deste estilo. Em seu contexto, o Realismo também apresentou formas chocantes para a época, sendo vistas pela maior parte dos críticos e público como ofensivas. É fato que alguns artistas realistas tinham por objetivo agredir as ditadoras convenções artísticas, mas também queriam atacar as conveniências sociais que eram, ao mesmo tempo, sociais e artísticas, uma vez que eles tinham compromisso com a realidade. Courbet, por exemplo, ao apresentar sua pintura “As Banhistas” provocou um escarcéu no Salão de Paris de 1853, sendo sua tela vista como ofensa pública.  A mesma pressão e crítica sofreu Manet, dez anos depois, com sua tela “Olympia”, uma versão do decantado tema de Vênus.

Ilustração: O Ateliê do Artista, 1855, Courbet

Fontes de pesquisa
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Manual compacto de arte/ Editora Rideel
A história da arte/ E. H. Gombrich
História da arte/ Folio
Arte/ Publifolha

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Millet – O ÂNGELUS

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Autoria de Lu Dias Carvalho                                               (Clique na imagem para ampliá-la.)

É impossível imaginar essas pessoas pensarem em ser qualquer outra coisa, senão o que são. Nós podemos ver a opressão, mesmo que eles não possam. Talvez isto nos seja revelado na esperança de que nós reajamos. (Millet)

 A ideia do Ângelus surgiu-me porque me lembrei que a minha avó, ao ouvir o sino da igreja tocar, enquanto trabalhávamos no campo, sempre nos fazia parar para fazer a oração do Ângelus pelos pobres que partiam. (Millet)

 O pintor realista francês Jean-François Millet (1814-1875) era filho de uma próspera família rural da Normandia. Através de uma bolsa de estudos foi estudar em Paris com Paul Delaroche, Jérome Langlois e Chevreville. Permaneceu dois anos na Escola de Belas-Artes. No início de sua carreira o artista fez retratos e pinturas históricas e mitológicas, vindo a trabalhar posteriormente com o tema camponês, retratando a vida diária das pessoas que trabalhavam no campo. Os temas usados pelo artista em suas obras eram vistos como revolucionários e perigosos para os poderosos da época. Millet nutria grande amor pelo mundo camponês.

A composição realista intitulada O Ângelus é a obra mais famosa do artista, figurando como uma das grandes obras-primas da pintura francesa do século XIX. Apresenta dois camponeses, um homem e uma mulher, no campo de trabalho onde cavavam batatas, no momento em que param seu labor, ao pôr do sol, para rezarem (Hora do Ângelus), após ouvirem os sinos da igreja ao fundo.  O casal assume uma aparência monumental, apesar das dimensões reduzidas da tela. Ambos se encontram de pé e em postura de preces, com a cabeça voltada para o chão. O homem segura seu chapéu e a mulher junta as mãos sobre o peito. Ainda que reduzido, trata-se de um breve momento de paz e descanso, após um pesado dia de trabalho.

Nada há na composição que possa indicar que a dupla de camponeses esteja se preparando para voltar para casa. Próximo a eles estão os utensílios (sacos, forquilha, cesto e carrinho de mão) usados no trabalho. Uma cesta de vime encontra-se entre os dois, largada ali, possivelmente pela mulher, durante o momento de preces. Um ancinho fincando no solo, à direita do homem, leva a crer que ele continuará o trabalho. Nada indica qual seja o tipo de relação existente entre ambos.

Os tons escuros da obra imergem os dois camponeses num momento profundo de oração. A imensidão da paisagem e a postura das figuras aumentam a quietude ali presente, nela também imergindo o observador. A linha do horizonte é muito alta, o que leva a superfície do quadro a ocupar dois terços da suave cor verde acastanhada da terra, enquanto a parte superior é invadida pela luz que chega da esquerda. Os rostos das duas figuras encontram-se na sombra, enquanto a luz foca seus gestos.

Ainda que o artista não evidencie abertamente sua intenção sociopolítica em suas obras, ele sabia que seu público via-o como um revolucionário republicano. Embora alguns críticos contemporâneos achassem que os quadros do artista eram muito sentimentais, Millet buscava evitava qualquer coisa que despertasse sentimentalismo. Ele não idealizava e sim testemunhava os fatos. O pintor não quis repassar à sua obra nenhum cunho religioso, apesar do título. Ela foi inspirada em suas memórias de infância, como descrito acima. Ele desejava apenas apreender a rotina imutável da vida camponesa numa cena simples.

Vincent van Gogh via em Millet seu mestre espiritual e Salvador Dalí venerava essa obra, fazendo algumas variantes do tema das Trindades (Angelus), dedicando-lhe um livro. Para Dalí o Angelus foi o trabalho mais inquietante e perturbador que conheceu. Em 1932 um louco dilacerou essa obra que se transformou num ícone mundialmente conhecido no século XX.

Fontes de pesquisa
Ano: c.1821/22
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 55,5 cm x 66 cm
Localização: Musée d’Orsay, Paris, França

Fontes de pesquisa
Obras-primas da arte ocidental/ Taschen
https://www-musee–orsay-fr.translate.goog/fr/oeuvres/langelus-345?_x_tr_sl=fr&
https://snpcultura.org/o_angelus_de_millet_e_a_incapacidade_pos_moderna
https://pt.wikipedia.org/wiki/Angelus_(pintura)
https://artsandculture.google.com/asset/the-angelus/CgHjAgexUzNOOw

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TRÊS DE MAIO EM MADRI (Aula nº 79 D)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Eu pinto estas obras para ter o gosto de dizer eternamente aos homens que não sejam bárbaros. (Goya)

 Esta é a primeira grande obra que se pode chamar revolucionária em todos os sentidos do termo, no estilo, no tema e na intenção. (Kanneth Clark)

 O pintor Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um dos grandes nomes da pintura espanhola ao lado de Diego Velasquez. A família de Goya pertencia à classe média baixa, o que significava que levava uma vida de dificuldades sendo que dois de seus filhos mais novos morreram ainda pequenos. Ainda muito novo Goya deu início à sua formação artística, frequentando uma escola de desenhos, onde ficou conhecendo o pintor José Luzán que o levou a copiar os trabalhos mais importantes dos grandes mestres do passado. O escritor, jornalista, filósofo e crítico de arte espanhol Eugeni d’Ors definiu o pintor: “Goya é um fenômeno extraordinário. É o artista que a opinião universal qualifica como revolucionário, o renovador audaz, cujos arrojos de conceito e de técnica serviram mais tarde como exemplo e modelo, nunca tornado obsoletos, a sucessores dispersos nos ambientes mais longínquos e livres ao longo de um século e meio de mudanças de gosto, de renovações de escolas”.

Esta composição, também conhecida como o Fuzilamento de Moncloa, retrata um dos trágicos acontecimentos da vida do povo espanhol, perpetrado pelas forças napoleônicas. Goya mostra, com patriotismo e revolta, o sofrimento de seu povo durante a invasão francesa. Um grupo de cerca de cem espanhóis mal vestidos, muitos deles inocentes, foi executado numa colina fora da cidade. O grupo que se amotinou contra os invasores franceses foi preso no dia anterior e fuzilado no dia seguinte, na madrugada do dia 3 de maio.

O massacre ocorreu ao entrar as primeiras horas do novo dia. Ainda reinava a escuridão. O céu que compõe quase um terço da composição está impiedosamente escuro, sem a presença da lua ou de estrelas, destacando ainda mais o clima de pavor. Uma enorme lanterna colocada no chão joga luz sobre os condenados que esperam a vez de serem executados. Um personagem ajoelhado, vestido com uma camisa branca, aberta no peito, levanta os braços heroicamente, semelhante ao Cristo crucificado, à espera do golpe fatal. Na palma de sua mão direita há também um estigma. Sua expressão dramática é ao mesmo tempo desafiadora.

Os condenados estão conscientes do próprio fim. Todo horror é exposto através de seus gestos. Um deles levanta o rosto para os céus, enquanto cerra os punhos, numa expressão de resignação. Alguns parecem rezar, enquanto outros tapam os olhos, numa impiedosa impotência. Um dos condenados é um frade franciscano que se encontra ajoelhado com as mãos unidas em oração. Outro grupo, à esquerda dos que se encontram em frente ao pelotão de fuzilamento, espera a sua vez de ser executado. O clima entre eles é o mesmo. Tapam os olhos, ajoelham-se e rezam. Um deles, ao lado do personagem de camisa branca, morde os dedos, enquanto seu rosto expressa um grande terror.

Goya colocou carrascos e vítimas a poucos passos uns dos outros para ampliar o clima de tensão. Ao contrário do pelotão de fuzilamento, visto em completa ordem, as vítimas estão em grande desalinho. E, excetuando o vermelho do sangue das vítimas e o branco da camisa de uma delas, as cores da composição são sombrias, acentuando a barbaridade da cena. À direita do grupo prestes a ser fuzilado estão empilhados no chão os corpos dos rebeldes que já foram executados. Uns se encontram de bruços, outros de costas. Um deles, com o rosto voltado para o observador, com um grande buraco na testa, tendo sido atingido na cabeça, jaz numa enorme poça de sangue. Seus olhos estão fechados e sua boca aberta.

Os soldados franceses com suas baionetas, perfilados de costas para o observador, todos representados na mesma postura, são mostrados como fantoches, não sendo possível ver-lhes o rosto. A imobilidade deles contrasta com o horror estampado nas vítimas. Eles usam sobretudo de modelos iguais, mas de cores diferentes. Goya pintou-os assim porque eram feitos de lã tingida que ia mudando de cor com o tempo. Seus sabres de cabo reto quase tocam o chão. Nos fuzis estão acopladas baionetas. As lâminas eram usadas caso as vítimas não morressem imediatamente ao fuzilamento. Os olhos do observador são atraídos pelo homem com roupas mais coloridas para depois se desviar para os demais.

O quadro de Goya transcende os acontecimentos da época, pois traz uma visão universal da crueldade que pode existir entre seres humanos em quaisquer que sejam os tempos e culturas. Esta obra foi pintada seis anos depois dos acontecimentos funestos. Veio a público depois de permanecer 40 anos num depósito.  É ainda hoje uma das mais famosas pinturas mostrando os horrores da guerra. Faz par com O 2 de Maio de 1808, do mesmo pintor.

Ficha técnica
Ano: 1814
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 266 x 345 cm
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha

Fontes de pesquisa
Goya/ Coleção Folha
Goya/ Abril Coleções

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Mestres da Pintura – DAUMIER

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O francês Honoré-Victorien Daumier (1808-1879) foi caricaturista, chargista, ilustrador e pintor. É tido hoje como um dos mestres da litografia e um dos pioneiros do Naturalismo. A sua excelência na caricatura levou-o a receber o apelido, por parte do escritor Balzac, de “Michelangelo da Caricatura”. Seu pai era um mestre em vitrais. Ainda adolescente Daumier começou trabalhando como ajudante e despachante, vindo em seguida a trabalhar numa livraria. Nessa época ele começou a se interessar pelas artes plásticas. Entrou aos 14 anos de idade para o atelier de Alexandre Lenoir, um antigo aluno do neoclassicista Jacques-Louis David. Também estudou escultura antiga no Louvre e as obras de Ticiano e Peter Paul Rubens. Suas primeiras litografias remetem a 1828, quando aprendeu essa nova técnica.

Daumier era um adepto da República, o que o levou a interessar-se pela caricatura política. Foi levado à prisão por causa da caricatura intitulada Gargântua, ridicularizando o rei Luís Felipe, tendo ficado prisioneiro durante seis meses no ano de 1831. Para passar o tempo na cadeia, ele retratava seus companheiros de presídio. Assim que ganhou liberdade foi contratado pelo jornal “La Caricature”, responsável por publicar as suas famosas “máscaras” (sátiras e caricaturas de políticos). Com o surgimento de uma lei contra a liberdade de expressão em 1835, ele optou por um jornal envolvido com a crítica social – “Le Chavari”.

O artista chamava a atenção com as suas caricaturas sobre a pequena burguesia parisiense. Era também duro na exposição das classes altas. Sua crítica ferina era direcionada às restrições legais, à monarquia, ao Parlamento, à Igreja, à Academia e ao Classicismo. Nutria simpatia apenas pelas classes baixas, compadecido com seu eterno sofrimento. Daumier foi um dos mais renomados litógrafos, sendo conhecidas mais de 4.000 litografias criadas por ele, nas quais reproduziu sua visão crítica, às vezes satírica, às vezes direta e certeira, sobre os acontecimentos de sua época, num estilo dinâmico e jovial. Aperfeiçoou a linguagem da charge e da caricatura, caracterizada pela crítica social e política.

O artista começou a trabalhar com pintura quando estava com 37 anos, campo em que também se destacou. No começo valeu-se de temas literários retirados das obras de Cervantes e Molière, assim como do cotidiano das pessoas comuns, vindo a tornar-se o maior representante do Realismo Social na pintura. Sua invejável capacidade de síntese na representação de suas figuras não foi conseguida por nenhum outro pintor do século XIX. Suas pinceladas largas davam vida a figuras com suas monumentais silhuetas. Sua paleta de cores baseava-se nos tons ocre e terra, cujos temas mostram artistas em desgraça e crianças na miséria, algo que o mobilizava de maneira singular. No entanto, em seus quadros, ao contrário das litografias, seus personagens estavam imbuídos de grande dignidade humana.

O artista ficou maravilhado com as obras sobre “Dom Quixote” nos seus últimos anos de vida, quando enfrentava a velhice e a cegueira. Criou cerca de 25 pinturas a óleo, aquarelas e desenhos a carvão para ilustrar a obra de Miguel de Cervantes. Compôs uma série inteira sobre o tema. Ele era particularmente fascinado pelos personagens de Dom Quixote, o homem com delírios de grandeza, e Sancho Pança, seu ajudante simples, mas leal. Raramente acrescentava outros personagens em seus desenhos.

Daumier começou pintando cenas com Dom Quixote e Sancho Pança viajando e, com o tempo, foi abandonando as referências específicas ao livro e transformou-se em Dom Quixote e Sancho Pança caminhando sozinhos em uma estrada aberta. Ao final, passou a criar apenas a figura de Dom Quixote, fato que, na visão dos historiadores, não significa a eliminação de Sancho Pança, mas a fusão dos dois personagens em apenas um, o que lhe possibilitou expressar as duas facetas de sua personalidade: o cartunista sarcástico e o pintor sensível. Seu crescente problema de visão fez com que as imagens fossem se tornando cada vez menos detalhadas.

Durante sua vida Honoré Daumier quase não recebeu críticas por suas pinturas, tendo sua arte ganhado pouca atenção. Embora tentasse viver como escultor e pintor, jamais conseguiu seu intento, tendo sempre que recorrer à litografia para sobreviver. Morreu na miserabilidade e quase cego aos 71 anos de idade, numa casa que lhe fora dada por Jean-Baptiste Camille Corot, pintor realista francês. Segundo os estudiosos do artista e sua obra, ele era também marginalizado, por isso via na triste figura do cavaleiro andante (Dom Quixote) sua própria pessoa. Além disso, sua arte estava muito além de seu tempo, impossível de ser compreendida. Ele só foi reconhecido e apreciado, tanto pelo domínio de sua técnica quanto pela profundidade de visão,  após a sua morte.

Fontes de pesquisa
Obras-primas da arte ocidental/ Taschen
https://www-artble-com.translate.goog/artists/honore_daumier/paintings/don_quixote?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=nui,sc

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NAVIO NEGREIRO (Aula nº 79 C)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Se eu fosse reduzido a descansar a imortalidade de Turner em um único trabalho, eu deveria escolher este. (John Ruskin)

 No alto de todas as mãos, acerte os mastros superiores e despreocupe-os;/ Sol raivoso e nuvens de arestas ferozes/ Declare a vinda do Typhon./ Antes de varrer seus decks, jogue ao mar/ Os mortos e morrendo – não prestem atenção às suas correntes/ Esperança, esperança, esperança falaciosa! / Onde está o teu mercado agora? (poema inacabado de Turner que acompanhou a exibição do quadro em 1840)

O inglês Joseph Mallord William Turner (1775-1851) nasceu em Londres. Aos 15 anos de idade expôs suas primeiras aquarelas na Escola da Academia Real de Artes em Londres. Aos 25 já era Membro Associado, período em que visitou, pela primeira vez, outros países do continente europeu. Estudou em Paris, no Louvre, os antigos mestres, dando destaque às paisagens holandesas e composições de Claude Lorrain. A sua visita a outros países, incluindo a Itália, mudou radicalmente seu estilo, quando passou para as criações visionárias. Foi um dos mais brilhantes pintores românticos, tendo criado um tratamento revolucionário na pintura de paisagens através de temas românticos, mas cheios de dramaticidade. A abstração vista em muitas de suas obras antecipou a arte do século XX. É considerado um dos mais notáveis precursores do Impressionismo. É sem dúvida o mais importante e conhecido pintor de paisagens do século XIX. Pintou cidade e campo, montanhas, naufrágios, etc. Embora obtivesse grande sucesso em seu trabalho, Turner vivia recluso em sua vida pessoal. Morreu aos 76 anos de idade.

A composição O Navio Negreiro é uma obra-prima do artista, um exemplo clássico de seu pendor para o abstracionismo. Esta pintura de paisagem marítima romântica demonstra que Turner foi um dos mais sensacionais inovadores da história da pintura, ao usar como tema os próprios elementos da natureza (mar, céu, montanhas, neve, vento, chuva, etc.) e criá-la em termos de cor e luz.  As cores que mais sobressaem na pintura são o vermelho do pôr do sol que penetra na água e também o navio e o marrom dos corpos e mãos dos escravos.

Nesta pintura o artista usou muitas técnicas características dos pintores românticos. Suas pinceladas indefinidas têm por objetivo fazer com que a imagem pareça borrada, tornando objetos, cores e figuras indistintos, o que leva o observador a introduzir-se na cena através de sua imaginação. Ele expõe a força que a natureza possui e o poder que ela exerce sobre o ser humano.

Ao se deixar guiar pelo tema da obra, o observador poderá concluir enganosamente que o navio que navega em águas abertas ao longe, durante uma tempestade, mostrando a brutalidade humana, seja o ponto principal da composição. Mas não é. O grande astro é o sol poente no centro da tela, fonte de toda a luz, numa junção com o céu e o mar tempestuoso e a aproximação de um ciclone.

Os corpos dos escravos boiam na água em primeiro plano. Alguns são devorados por peixes e monstros marinhos, como mostra a perna vista com a corrente ainda presa ao pé. Gaivotas sobrevoam o local. O artista, um abolicionista, tinha por objetivo impactar o observador com a crueldade humana. Era um chamado à sociedade para ver e sentir a bestialidade da escravidão, pois, apesar de a Inglaterra já ter acabado com tamanha degradação, ela ainda persistia em outros países, inclusive no Brasil.

O livro intitulado “A História da Abolição do Tráfico de Escravos”, obra do escritor Thomas Clarkson, serviu de inspiração para Turner. A obra relata um incidente, ocorrido em 1783, envolvendo um navio negreiro. Como muitos dos escravos a bordo se encontrassem doentes e o pagamento da companhia de seguros do capitão só pagaria pelos perdidos no mar, o capitão exigiu que todos os doentes e moribundos saltassem no mar, acorrentados. O título completo desta obra de Turner é “O Navio Negreiro Jogando ao Mar os Mortos e os Moribundos”.

Convido o leitor a conhece outra obra-prima de Turner, eleita a pintura mais popular da Grã-Bretanha, intitulada Turner – A ÚLTIMA VIAGEM DO TEMERAIRE (link)

Ficha técnica
Ano: 1840
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 91,5 x 122 cm
Localização: Museu de Arte, Boston, EUA

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
http://britishromanticism.wikispaces.com/The+Slave+Ship
https://strengthoftheheart.wordpress.com/2017/07/26/an-analysis-of-slave-ship-by-
https://www.mfa.org/collections/object/slave-ship-slavers-throwing-overboard-the-

 

 

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