Autoria de Lu Dias Carvalho
Para Não Dizer Que Não Falei de Flores trata-se de uma canção com letra altamente subversiva, atentatória à Soberania do País, um achincalhe às Forças Armadas… (General Luís de França Oliveira – Secretário de Segurança da Guanabara)
A canção Caminhando, mais conhecida como Para Não Dizer Que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré, participou do III FIC (Festival Internacional da Canção) da TV Globo, em 1968. Foi exibida na segunda eliminatória paulista, classificando-se entre as seis daquela fase, que concorreriam à final paulista.
Havia por parte dos organizadores uma preocupação com a música de Geraldo Vandré, em razão da ditadura militar que dirigia o país. Contudo, a organização do festival não acreditava que ela fosse longe, ficando pelo meio do caminho, ou seja, não seria capaz de indispor os militares com o III FIC. Mas não foi isso que aconteceu. A plateia não demorou em aprender seu refrão: Vem vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer. A canção também ganhou as ruas. Portanto, não foi surpresa que ela se encontrasse entre as seis classificadas na 1ª final paulista. E, posteriormente se tornasse uma da seis classificadas paulistas para o festival nacional.
A canção Caminhando foi apresentada na segunda eliminatória nacional, sendo tão aplaudida, que Vandré, emocionado, chegou a passar mal fora do palco. Tudo indicava que estaria entre as candidatas a finalistas.
A direção do Festival recebeu um comunicado, vindo dos militares, dizendo que duas canções deveriam ser vetadas: América, América (Cesar Roldão Vieira) e Caminhando (Geraldo Vandré). Sem saber que decisão tomar, a direção do III FIC decidiu deixar o barco correr solto, mas no fundo torcendo para que Caminhando não fosse a vitoriosa. Dentre as canções que concorriam à final estava justamente ela. Ao ser apresentada, além de ser ovacionada pela plateia, ainda era cantada por ela.
Quando foi dado o resultado, Caminhando era a segunda colocada, perdendo apenas para Sabiá, de Tom Jobim. Foi uma revolta generalizada. O público queria Caminhando em primeiro lugar. Cynara e Cybele, que defendiam Sabiá, nem mesmo conseguiram apresentá-la, de tão ensurdecedora que era a vaia. Ao tentar acalmar a plateia, Vandré tornou célebre a frase:
– Olha, tem uma coisa só, a vida não se resume em festivais.
A seguir, começou a tocar e cantar junto com um coro de mais de 20 mil vozes. Ali estava a resposta para mostrar qual era realmente a canção vencedora. O compacto com Caminhando era o mais procurado, por isso, a polícia do estado da Guanabara mandou apreendê-lo, enquanto Marina Ferreira, Chefe da Censura estadual, dizia não haver ordem para a apreensão dos discos. Depois de muitas idas e vindas, afirmações e desmentidos de censura, Caminhando tornou-se proibida. Não poderia ser tocada em rádios e locais públicos de todo o país. Mesmo assim, ela continuava ser cantada em casas, durante reuniões.
O fato é que Caminhando foi proibida durante 20 anos, mas tornou-se um hino das contestações, cantado até os dias de hoje. Vandré ficou sob a mira dos radicais da ditadura. Com a decretação do AI-5, passou a ser procurado. Escondeu-se na casa de Marisa Urban e depois de dona Araci (viúva de Guimarães Rosa). Ajudada por um delegado de polícia, dona Araci e seu filho, que o acompanhavam num automóvel, ajudaram-no a se exilar. Vandré, que se encontrava envelhecido através de rinsagem no cabelo e maquiagem, atravessou, no carnaval de 1969, a fronteira com o Paraguai, indo para o Chile. De lá viajou para outros lugares, inclusive Paris. Contudo, não conseguiu se adaptar a lugar nenhum, sempre saudoso do Brasil.
Geraldo Vandré contou com a ajuda de um Coronel do exército para voltar ao Brasil. Aqui chegando, em pronunciamento, renegou qualquer elo com os adversários do regime militar. E nunca mais voltou a ser o que era antes. O que terá lhe acontecido? Eis a questão. São muitas as hipóteses, inclusive a de lavagem cerebral. Mas não há nenhuma confirmação.
Agora conheçam a letra e ouçam a canção que nos arrepia até hoje.
Caminhando (Para dizer que não falei de flores)
Autor: Geraldo Vandré
Intérprete: Geraldo Vandré
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
(bis)
Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão
(Refrão)
Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição
De morrer pela pátria
E viver sem razão
(Refrão)
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
(Refrão)
https://www.youtube.com/watch?v=PDWuwh6edkY
Fontes de pesquisa
A era dos festivais/ Zuza Homem de Mello
Uma noite em 67/ Renato Terra e Ricardo Calil
Chico Buarque/ Wagner Homem
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