Arquivo da categoria: Literatura de Cordel

Gênero literário popular

A TRISTE PARTIDA DO REI DO BAIÃO (2ª Parte)

Autor: Guaipuan Vieira

LuGon

Este estilo pra Luiz
Não era o seu verdadeiro
Pois queria apresentar
Seu próprio cancioneiro
A música regional
E nada do estrangeiro.

Com isto Luiz Gonzaga
Se encheu de esperança
Nos programas de calouros
Foi cantar com segurança
Apresentando seus Shows
Com muita garra e pujança.

Saindo dos auditórios
No Nordeste apareceu
A música de seu Luiz
Porque na sanfona leu
O sertão em poesia
Daí então se ergueu.

O primeiro nordestino
Num trabalho a se empenhar
Pra música regional
No Brasil vir espalhar
Provando assim a existência
Da arte mais popular.

Desta forma seu Luiz
Por ter rica criação
Lançou o xote e o forró
O xaxado e o baião
Ficando o arrasta-pé
Como símbolo do sertão.

Lançando estas criações
Fez o zabumba tocar
Dando ao mesmo mais valor
Na arte de forrozar
Também deu vida ao triângulo
Hoje instrumento exemplar.

Em pouco tempo o Brasil
Seu valor reconheceu
E grupo de seguidores
Ligeiramente nasceu
E Luiz Rei do Baião
Este título recebeu.

O seu valor cultural
Foi da maior importância
Pra história brasileira
Veja a significância
Pois decantou o Nordeste
Com jeito e com elegância.

Foi quem mais reivindicou
Melhoria pro Nordeste
Mostrando pros governantes
A seca, a fome e a peste
Que muito maltrata o povo
De todo sertão agreste.

No seu canto interpretou
O profundo sentimento
Da alma do sertanejo
Que sofre a todo o momento
No Nordeste que retrata
O mais cruel sofrimento.

Quando seu Luiz cantava
Simbolizava o vaqueiro
Seu aboio e seu gemido
Invadiam o tabuleiro
Desta forma ele exaltava
O Nordeste brasileiro.

Mas por força do destino
A um chamado atendeu
Vinda do Pai soberano
Quem chamou o filho seu
Para cantar lá no céu
As músicas que aprendeu.

Certamente o velho “Lua”
O mestre Rei do Baião
Já se encontra com seu pai
Lá em outra dimensão
Aquele que lhe ensinou
Tão honrosa profissão.

Este pequeno folheto
É somente uma mostragem
Daquele que foi em vida
Nosso maior personagem
Que o povo guardará
Para sempre a sua imagem.

Termino aqui esta história
Com o coração enlutado
Escrita no mesmo dia
Que Luiz ouviu chamado
Pra morar na Santa Casa
Por Deus sendo abençoado.

A TRISTE PARTIDA DO REI DO BAIÃO (1ª Parte)

Autor: Guaipuan Vieira

LuGon

Cinco e quinze da manhã
Do dia dois de agosto
Do ano de oitenta e nove
Houve um terrível desgosto
De luto entrava o Nordeste
Com pranto triste no rosto.

As rádios anunciavam
Morreu o Rei do Baião
O mestre Luiz Gonzaga
O popular Gonzagão
Deixando muita saudade
Pra esta grande Nação.

No sertão também se ouvia
Acauã executar
Lento toque de silêncio
E outras aves a chorar
E mãe deusa da natura
Do seu trono a soluçar.

E concretizava o luto
Com sentimento profundo
Entre todas as gerações
Por este sofrido mundo
Em homenagem a Luiz
O primeiro sem segundo.

Luiz nasceu em Exu
Agreste pernambucano
Mil novecentos e doze
Foi este o sagrado ano
Que o destino lhe escolheu
Pra ele seguir bom plano.

Filho doutro sanfoneiro
Com nome de Januário
Desde então herdou seu dom
Uma causa sem inventário
Isto quando ainda garoto
Segundo seu comentário.

Desta forma seu Luiz
A seu pai acompanhando
Nos bailes, forrós e feiras
Seu baião foi ensinando
E fama na região
Já estava até ganhando.

Deixou a terra natal
Ao exército foi servir
Vindo então pra Fortaleza
Pra sua missão cumprir
O que muito lhe ajudou
E a bons planos fez seguir.

Devido as Revoluções…
Sempre era transferido
E nestas suas andanças
Morou num lugar querido
Minas Gerais de Tancredo
O homem nunca esquecido.

Foi então que conheceu
Um amigo e companheiro
Que já servira ao exército
Naquele rincão mineiro
Este fora Dominguinhos
Especial sanfoneiro.

Através desta amizade
Luiz voltou a estudar
Dominguinhos professor
E amigo particular
Que também lhe ensinou
A modinha popular.

Mas a vida de milícia
Igualmente a do vaqueiro
Sempre é solicitado
Segue outro paradeiro
Desta forma pra São Paulo
Seu Luiz seguiu ligeiro.

Na terra dos bandeirantes
Mudou sua opinião
Nova sanfona comprou
Que lhe deu inspiração
Assim Luiz começou
Aprimorar seu baião.

Sendo ainda militar
Foi pro Rio de Janeiro
De onde se desligou
Do exército brasileiro
E formou a parceria
Com o Xavier Pinheiro.

Xavier um português
Que vinha se apresentando
Na grande Rio de Janeiro
Lá no mangue executando
Valsas, tangos e até fados
Com Luiz auxiliando.

A SECA DO CEARÁ (2ª parte)

Autoria de Leandro G.de Barros

a sece

O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado,
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado.
O bode procura em vão,
Só acha pedras no chão,
Põe-se depois a berrar.
A cabra em lástima completa,
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.

Grandes cavalos de selas
De muito grande valor,
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor.
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr’ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto,
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.

Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol.
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol.
Tudo ali hoje é tristeza,
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem.
Os camaradas antigos
Passam pelos seus amigos,
Fingem que não os conhecem.

Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca,
Na Europa assola a guerra.
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem.
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.

Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno.
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno.
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade.
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.

Mas tudo ali é debalde,
O inverno é soberano,
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano.
Nem uma nuvem aparece,
Alteia o dia o sol cresce,
Deixando a terra abrasada,
E tudo a fome morrendo,
Amargos prantos descendo,
Como uma grande enxurrada.

Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socorra
Naquele terrível mal.
A criança estira a mão,
Diz senhor tem compaixão,
E ele nem dar-lhe ouvido.
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.

Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu,
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu.
O dinheiro é tão sabido,
Que quis ficar escondido,
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio.
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.

O governo federal
Querendo remiar o Norte,
Porém cresceu o imposto,
Foi mesmo que dar-lhe a morte.
Um mete o facão e rola-o.
O Estado aqui esfola-o,
Vai tudo dessa maneira.
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.

Nota:   Criança Morta, Cândido Portinari

A SECA DO CEARÁ (1ª parte)

Autoria de Leandro G. de Barros

a sece

Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.

Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão,
Não há um ente daqueles
Que mostre satisfação.
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais ao campo.
É um sítio de amarguras,
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.

Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas.
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus,
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.

Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o espectro da morte,
Como o nauta em mar estranho,
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer.
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Um adeus por despedida.

Foi a fome negra e crua,
Nódoa preta da história,
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória.
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar seu nome
Do livro da existência.

E a fome obedecendo,
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio,
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado,
Deixando desamparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.

Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar.
Lança-lhe um olhar materno,
Soluça, implora ao Eterno,
Invoca da Virgem o nome.
Ela débil triste e louca,
Apenas beija-lhe a boca,
E ambos morrem de fome.

Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas.
Umas com roupas em tira,
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros.
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.

Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados.
Os vales daqueles rios,
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.

Nota:   Criança Morta, Cândido Portinari

A CARTA DO PISTOLEIRO MAINHA (2ª Parte)

Autoria de Guaipuan Vieira

mainha

Eu vivo a minha vida
De vaqueiro e agricultor
Derrubando o gado bravo
No sertão abrasador
Na fazenda de Diógenes
O meu “pai” meu protetor.

Pois seu Chiquinho Diógenes
Gostava de viajar
Para ver Exposições
Do gado bem exemplar
E quando comprava alguns
Eu sempre ia buscar.

Esta é a tal razão
De a polícia vir dizer
Que eu era um foragido
Por muitos crimes dever
Coisa que não é verdade
Todos vocês podem crer.

O crime que pratiquei
Já está esclarecido
Se matei foi por vingança
Não estou arrependido
Só dei fim no assassino
Que matou meu “pai”querido.

Pois Chiquinho para mim
Era um verdadeiro pai
Hoje quando penso nele
Meu coração se contrai
E o seu assassinato
Da cabeça não me sai.

Então digo pros senhores:
Cada uma traz uma sina
Uma que dá alegria
E outra que se arruína
Tudo depende da sorte
É ela quem determina.

Mesmo um homem sendo bom
Muitas vezes é vitimado
Pra expiar seus pecados
Carrega um fardo pesado
É um bode expiatório
Ou um desafortunado.

Pra carregar este fardo
O destino me escolheu
Como prova uma campanha
Que um grupo promoveu
Me jogou contra o povo
E só fui eu quem perdeu.

Eu perdi pelo seguinte:
Hoje tenho uma má fama
Ninguém acredita em mim
Todo mundo me difama
E querem me afogar
Num oceano de lama.

Já falei aqui do crime
Que pratiquei por vingança
Por ele estou amargando
Numa cela em segurança
Esperando a liberdade
Porque tenho confiança.

Quero voltar ao convívio
Da minha santa morada
Para rever os meus filhos
E minha mulher amada
Que certamente está triste
E chorando inconformada.

Pistoleiro perigoso
É o chefe da Nação
Que mata de fome e à bala
Parte da população
Ele é quem devia estar
Sofrendo numa prisão.

Sou um bode expiatório
Por um grupo fabricado
Que talvez este é quem seja
O bandido procurado
Que sempre vive julgando
E nunca quer ser julgado.

-Termino assim a mensagem
Enviada por Mainha
Repito o que disse antes:
Que não é invenção minha
Todos sabem que eu sou
Um cordelista de linha.

Título: A Carta do Pistoleiro Mainha à Sociedade
Autor: Guaipuan Vieira
Categoria: Literatura de Cordel – 29 estrofes – 8 páginas
Idioma: Português
Instituição: Centro Cultural dos Cordelistas – Cecordel
1ª Edição: 1998 2ª Edição: 1998 /3ª edição:1999
Estilo: Carta

A CARTA DO PISTOLEIRO MAINHA (1ª Parte)

Autoria de Guaipuan Vieira

mainha

Eu escrevi um folheto
De grande repercussão
A respeito de Mainha
E sobre a sua prisão
Cujo folheto atingiu
A sua quinta edição.

Por causa disso Mainha
Me mandou uma mensagem
E nela naturalmente
Salvaguarda sua imagem
Dizendo que não é rico
À custa de pistolagem.

Eu recebi a mensagem
Enviada por Mainha
E garanto aos meus leitores
Que não é invenção minha
Porque eu sou um poeta
Que nunca fugiu da linha.

O recado que transcrevo
Só mudei mesmo o estilo
Pois eu transformei em versos
Sem guardar nenhum sigilo
Transcrevo o que me foi dito
Portanto eu fico tranquilo.

Ao tomar conhecimento
Do que andei escrevendo
O detento com razão
Escreveu se defendendo
Me enviando a mensagem
Que assim começo dizendo:

-“As duas grandes famílias
Com muito orgulho pertenço
Aos Maias pelo meu pai
Que sempre teve bom senso
Da mamãe herdei Diógenes
Que tem um padrão imenso.

Muitos pensam que eu sou
Um terrível pistoleiro
Um sujeito endiabrado
Perverso e arruaceiro
Pensam que eu sou também
Um filho de cangaceiro.

A mente do nosso povo
Muitas vezes é enganada
Com especialidade
Quando é mal informada
E a vítima com as notícias
É a mais prejudicada.

Eu nunca fui pistoleiro
A todos posso provar
Se matei foi por vingança
Assunto particular
Pistoleiro que eu saiba
É pago para matar.

Se eu fosse perigoso
Não teria sido preso
Pois cabra desta maneira
Tem o olhar bem aceso
Tem ouvidos de tiú
Ninguém o pega indefeso.

O bandido perigoso
de tudo está informado
Pra isto paga coiteiro
Anda muito bem armado
Nunca é preso sempre é morto
Dentro dum fogo cruzado.

Na noite em qu’eu fui preso
Pelo senhor delegado
Não reagi à prisão
Nem também estava armado
E é a pura verdade
Conforme foi constatado.

Mesmo assim a própria imprensa
Que na minha casa andou
Pesquisando a minha vida
de tudo se inteirou
Porém me deram uma fama
Que só me prejudicou.

O bandido foragido
Muda a sua identidade
Abandona a sua terra
Parte pra outra cidade
Mesmo assim vive escondido
Garantindo a liberdade.

Como então sou foragido
Se tenho a minha morada
Nela vivo com meus filhos
E minha mulher amada
Que vive sempre com medo
De eu morrer numa cilada.