Arquivo da categoria: Crônicas

Abrangem os mais diversos assuntos.

DESAFIANDO O CÉREBRO

Autoria de Danilo Vilela Prado

Alguém poderia me responder “Qual é o tamanho de um pedaço de barbante?”.

A compreensão da pergunta é fácil. O que há de diferente é a quebra do paradigma, dos padrões, dos modelos usuais de referência, porque não fica explícito o raciocínio de tamanhos ou medidas, com exatidão ou números. E o que é pior: A correta interpretação do desafio, por se tratar de análise numérica, poderá ter milhões de respostas. Todas elas poderão ser precisas e matematicamente exatas. Será? Existe a percepção de que a resposta deve ser dada por meio do raciocínio matemático, conforme a dica fornecida. Mas a conclusão oferece dificuldades. Superada a fase da compreensão da pergunta, o leitor desafiado deveria procurar respostas além da gramática.  Há dois exercícios conjuntos na busca pela solução:

1) de criatividade, em que deve ser estimulado o raciocínio lógico, ligado a “tamanhos ou medidas”, considerando que está explícita na pergunta a palavra “tamanho”;

2) de investigação da semântica (estudo do significado das palavras numa língua). Nesse segundo caso, poderia haver outras significações para o desafio, como a ambiguidade, por exemplo, que não é o caso.

Por exclusão, a pessoa desafiada iria concluir que a resposta é matemática, conforme foi alertada na dica. Assim, a solução ficaria um pouco mais fácil. O objetivo do desafio é estimular a “pensar diferente”, com a quebra das referências que todos nós usamos diariamente. No cotidiano, todos nós pensamos de acordo com o que é usual, com a familiaridade que temos com as palavras. Por isso, normalmente, não nos preocupamos com raciocínios desafiadores, pois a rotina humana torna o nosso cérebro automático na compreensão de mundo. A fim de estimular a criatividade, deveríamos aceitar, no mínimo, um desafio diário, principalmente com a análise do que ouvimos ou lemos, tentando descobrir outros significados das palavras.

Uma boa sugestão é estudar a polissemia das palavras. Explico: a polissemia, ou polissemia lexical (do grego poli: “muitos”; sema: “significados”), são os vários significados que uma mesma palavra pode ter, de acordo com o contexto em que é usada. Exemplos com a palavra “cabeça”: quando digo “Sinto dores na cabeça”, todos compreenderão que “cabeça” é parte do corpo. Em outro contexto “O cabeça do bando é Lampião”, a palavra “cabeça” tem o significado de líder. Mas a palavra muda completamente o significado se usada assim: “Aquele rapaz, além de ‘cabeça dura’, ainda é ‘cabeça oca’.” Quanta tragédia de uma só vez, porque “cabeça dura” significa que ele é teimoso e “cabeça oca” é coisa de gente distraída, sem conteúdo.

Consultar no dicionário a polissemia de palavras, diariamente, será suficiente para aumentar de maneira expressiva o conhecimento sobre a língua portuguesa. Além disso, pessoas que assim agem tornam-se mais críticas, analíticas e, por conseguinte, mais cultas e inteligentes. O desafio mesmo é deixar a preguiça de lado.

Na questão acima, o leitor pode descobrir a polissemia das palavras “tamanho”, “pedaço” e “barbante”, para tentar desvendar se o contexto da pergunta dará alguma solução. No caso, porém, o raciocínio oferece maior complexidade, pois a questão é capciosa. A palavra “tamanho” pode ser um indício de que a pergunta não foi bem feita, de acordo com os vários significados que possui. Dessa maneira, pode exprimir muitas formas de grandeza como “altura, dimensão, envergadura, estatura, magnitude, massa, porte, volume”.

Ao perguntar “qual é o tamanho de um elefante?”, certamente a grandeza a ser usada será o peso (cinco toneladas) ou altura (três metros), mas e o comprimento do animal, alguém se lembrará de perguntar? A pergunta, portanto, é vaga. O raciocínio sobre o tamanho do elefante indica que as perguntas, para serem respondidas corretamente, devem ter precisão. Da mesma forma, o uso da grandeza “tamanho” para expressar o “pedaço de barbante” é coisa vaga, pois “barbante” também pode ser medido na grandeza massa (quilo), ou seja, a pergunta foi imprecisa. No caso do barbante a pergunta correta é: “Qual é o comprimento de um barbante?” Assim, não irá gerar dúvidas na resposta, porque comprimento é a extensão do barbante.

A resposta surpreende. O comprimento de um pedaço de barbante é duas vezes a sua metade; ou um décimo do seu comprimento multiplicado por dez; ou três vezes o seu terço; ou quatro vezes o seu quarto; ou cem vezes o seu centésimo; ou mil vezes o seu milésimo e assim por diante, infinitamente… Talvez o desafio do texto produza no leitor mais confusão que explicação. Mas aqueles, que tiverem disposição para refletir e raciocinar, terão “lucro mental” (o que é isso?).  Xiii… é melhor não complicar.

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THOREAU E AS ROUPAS NOVAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os homens geralmente preocupam-se mais em ter roupas elegantes […] do que em ter uma consciência limpa. (Thoreau)

 Somente quem vai a soirées e bailes legislativos precisa de casaca nova, mudando de casaca com a mesma frequência com que muda o homem dentro dela. ( Thoreau)

Se o vestuário em seus primórdios tinha por objetivo manter o calor vital e cobrir a nudez, isso não deve ter durado muito tempo, pois os armários e guarda-roupas estufam-se mais e mais. Foi-se o tempo em que uma peça de roupa, de tanto ser usada, moldava-se ao corpo do dono, oferecendo-lhe conforto e trazendo impresso o seu caráter. Hoje, na grande maioria das vezes, tem sentido oposto, ou seja, o de camuflar os traços particulares inapropriados de certos usuários e usurários num mundo em que o “ter” a qualquer preço dá as cartas, suplantando o humilde e cada vez mais envergonhado “ser” que cada vez se consome diante da prepotência do “eu”.

O estadunidense Henry David Thoreau (1817-1862) que foi historiador, filósofo e pesquisador, dentre outros predicados, questiona “até que ponto os homens conservariam sua posição social se tirassem suas roupas”, ou seja, se passassem a andar nus.  Eu me embrenho em tal indagação e dou boas risadas imaginando uns “certos tais” peladões, com suas protuberâncias e penduricalhos à vista, e “outras tais” desprovidas de balangandãs, mas turbinadas como um foguete da NASA. Será que a empáfia, a prepotência e a arrogância ainda permaneceriam visíveis? Seria possível separar os “sem classe” dos pertencentes às  “classes respeitáveis”? Será que as autoridades não passariam a ser apenas “otoridades”? Concluo então que a roupa é um álibi para esconder a real natureza humana, mas não para os pobrecos que as têm em quantidade tão pequena que essas já trazem a modelagem do corpo e seu caráter impressos. Não é pela roupa que a polícia avalia o infrator? Se malvestido: “Teje” preso! Se elegante: Pode passar, “dotô”! Se mal arrumado: É bandido! Se donairoso: Esse é gente de bem! E assim, navega a humanidade através das aparências.

Thoreau também nos põe em xeque-mate quando pergunta: “Se o homem não é um novo homem, como as roupas novas vão lhe servir?”. De nada adianta ser por fora bela viola e por dentro pão bolorento, dizia meu avô acerca dos  janotas de seu tempo. Tadinho, se vivesse hoje ficaria decepcionado, pois adianta muito, desde que junto à vestimenta pomposa seja anexado um “dr.” ou um “nobre colega”, ainda que dos mais fajutos, sem classe alguma. Vindo em defendimento do meu avozinho, Thoreau adverte-me: “Cuidado com todas as atividades que requerem roupas novas em vez de um novo usuário das roupas.”. Isto é verdade! Não se pode usar as roupas novas como embuço para os ardis prontos para serem perpetrados contra os que só podem usar roupas velhas. Mas é assim que anda a carruagem!

Existem “certos tais” – alcunhados de defensores públicos ou de representantes do povo – que usam uma montanha de roupas novas, pagas pelo mesmo povo que espolia, encomendando suas vestiduras  sob medida para esconder o seu caráter nato e questionável. Seria bom que eles se indagassem, como fazia Thoreau: “De que adianta tirar minhas medidas, se elas não medem meu caráter, mas apenas a largura de meus ombros?”. O nosso personagem também não deixa de dar uma cutucada nas gerações posteriores, quando sabiamente diz: “Toda geração ri das modas antigas, mas segue religiosamente (e pateticamente) as novas.”. O mais constrangedor é que as gerações passadas ainda pareciam carregar um naco de autocrítica, coisa em desuso na de hoje.

Aos sugadores do suor alheio, aos gatunos do erário público, aos janotas e outros semelhantes ensina Thoreau: “Toda roupa fora do corpo é patética ou grotesca. É apenas o olhar sério e perscrutador no rosto acima dos trajes e a vida sincera sob eles que refreiam o riso e consagram a indumentária.”. É pelo fato de o bom caráter encontrar-se em desuso que as pessoas são julgadas cada vez mais pelas roupas que usam e muito menos por aquilo que realmente são. E viva o nudismo!

Fonte de pesquisa:
Walden/ H. D. Thoreau

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O MITO DO MAL PURO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Condenar muito é compreender pouco. (Lewis Richardson)

 A exceção dos monges jainistas, todos nós praticamos violência predatória, nem que seja só contra insetos.

 É recorrente em nossa cultura o mito do “mal puro”. E, sobretudo às religiões interessa esse mito, pois muitas delas incham em razão do medo que incutem em seus seguidores. Este mito também está presente nos filmes de terror, em certas mitologias nacionalistas, que dividem as pessoas entre seres do bem e do mal, nas coberturas jornalísticas, que trabalham com o mesmo viés das religiões arcaicas, conservadoras e desumanas que, sob a bandeira de evitar o “mal”, escondem seus objetivos escusos. Para não se ter dúvida de quão forte é esse mito, ele está presente até mesmo na literatura infantil, onde os personagens estão quase sempre definidos como do bem e do mal, a exemplo das bruxas (feiticeiras) e princesas. Até mesmo as demais espécies animais entram nessa dança, ao serem catalogadas como seres do bem e do mal, na própria literatura.

Voltando às religiões na questão do suposto “mal puro”, elas dedicam a seu hipotético mentor (Satã, Lúcifer, Belzebu, Mefistóles, Hades, Demônio, etc.) muito mais tempo do que ao pressuposto mentor do bem (Jeová, Deus, Alá, etc.). Muita gente conhece o degastado pensamento de que “É preciso pensar mais no mal, pois o bem, a qualquer hora que chegar, é sempre bem-vindo”. Como vimos em outros textos aqui no blog, o homem traz o bem e o mal dentro de si. E o que for melhor alimentado não resta dúvida de que ganhará um destaque maior, sobrepujando o seu par dual. E dentre esses que alimentam o seu “eu” com o mal estão os amorais, extremistas, ditadores, fanáticos, homofóbicos, fascistas, misóginos, racistas e agentes de sistemas políticos perversos, etc. Muitos deles deveriam estar trancafiados, fazendo tratamento médico, pois são verdadeiros psicopatas, impossibilitados de viverem em sociedade. Em relação a esses não é possível “banalizar o mal”, pois são perpetradores de ações que levam a consequências danosas para um povo e muitas vezes para o planeta como um todo. E sua grande maioria encontra-se no mundo da política, pois mostram-se uma coisa antes e outra depois de eleitos. Por isso, faz-se necessário olhar para o passado desses indivíduos, na tentativa de ver qual é o “eu” que eles alimentam mais, se o do bem ou o do mal.

As expressões “animalesco”, “selvagem” e “bestial”, por exemplo, são totalmente errôneas, quanto à comparação do homem com as outras espécies animais, pois esse tem lhes feito um mal sem limites. Enquanto no reino animal o “mal” segue as delimitações da cadeia alimentar, onde a predação acontece sem raiva ou ódio, no mundo dos homens ele é intencional. Segundo o humanista espanhol Fernando Savater, de todos os animais, o homem é o único que é cruel, pois premedita e maquina suas próprias maldades. Ele  acha que se encontra desgarrado das demais espécies, não tendo o mínimo respeito por elas. O humanista Steven Pinker conta em seu livro “Os Anjos Bons da Natureza Humana” que um agricultor aconselhou os amigos a castrar seus cavalos para que esses tivessem maior eficiência. Deveriam apenas fazer uso de dois tijolos para efetuar a castração. Mas ao ser questionado se aquilo não doeria, ele respondeu: “Não, se você deixar seus dedos fora do caminho.”, ou seja, o tal fazendeiro não foi capaz, em sua sensibilidade, de avaliar que a pergunta era extensiva à dor do animal, ao ter o saco escrotal dilacerado pelos tijolos, sem nenhum tipo de anestesia.

Todos nós temos que nos vigiar 24 horas por dia, de modo a alimentar o bem, em detrimento do mal. Esta é uma briga que não merece tréguas.

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker

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O PERIGO DO EXCESSO DE ILUSÃO POSITIVA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Lembre-se sempre, por mais seguro que você esteja de que pode vencer facilmente, de que não haveria uma guerra se o outro sujeito não pensasse que também tem uma chance. (Winston Churchill)

Os historiadores militares há muito observaram que na guerra, os líderes tomam decisões irresponsáveis no limite da ilusão. As invasões da Rússia por Napoleão e, um século mais tarde por Hitler, são exemplos infames. (Steven Pinker)

Algumas pessoas deixam-se aprisionar pelo excesso da chamada “ilusão positiva”. Acreditam que estão com “o corpo fechado” e, portanto, nada lhes fará mal. Acham-se as mais inteligentes, habilidosas, competentes e dotadas de uma sorte genuína. Nada temem! Insensatas, extrapolam seus próprios direitos, avançando sobre os dos outros,  considerando-se imunes a qualquer tipo de justiça. Criam para si um mundo fictício, onde esperam que a realidade seja plasmada de acordo com seus desejos. Alguns estudiosos dizem que tal comportamento não passa de uma “tática de barganha”, de um “blefe”, de modo a intimidar outras pessoas, como vemos acontecer recentemente em nosso país. Mas chega uma hora em que, pelo excesso de confiança, a casa cai.

A “ilusão positiva” tem como objetivo extrapolar os “enganosos” pontos fortes do sujeito, que jacta força e poder, de modo a ganhar aliados que, por sua vez, optam por pertencer ao grupo do mais forte, uma vez que se sentem fracos, quando sozinhos. Eles não se bastam, dependendo de um muro de arrimo em que possam se escorar. O mais engraçado nesse tipo de jogo é que os exageros do indivíduo “poderoso” não podem soar canhestros, de modo a arriscar sua credibilidade. É por isso que, quando o vitimado pela ilusão do “pode tudo” cai, deixa para trás um monte de filhos abandonados ao próprio destino, que levam um bom tempo para sentirem que foram engabelados por uma falsa soberania. Em nenhum espaço é mais exercitada a “ilusão positiva” do que no mundo da política partidária, onde as pessoas agem como se fossem chimpanzés, atentas ao comando do chefe do grupo, até que um mais forte, mais ladino e arguto e sangrento, aplica a mesma técnica e joga por terra o poderio do líder anterior, pois não há uma só página da história em que sujeitos desse naipe não tenham caído por terra mais cedo ou mais tarde.

O perigo da “ilusão positiva” é que, ainda que no início o “poderoso iludido” trabalhe com um vislumbre de realidade, com o passar dos dias ele a perde e passa a não mais medir consequências, a ter qualquer centelha de escrúpulos, por achar que sua sorte é verdadeiramente inata, de modo que nada possa atingi-lo. Em hipótese alguma imagina que o seu oponente possa ter meios para resistir, apesar de sua aparente fragilidade. E isso acontece também nas guerras, pois, segundo o humanista Steven Pinker, a teoria de Robert Trivers sobre o autoengano  sugere que “a incompetência militar é amiúde não uma questão de informação insuficiente ou de equívocos de estratégia, mas de excesso de confiança.”. Ele complementa falando sobre a guerra do Iraque, em que, apesar da ilusão positiva demonstrada por George W. Bush, ele fracassou redondamente ao tentar transformar aquele país numa democracia estável, “não levando em conta avaliações contraditórias, forçando o consenso e censurando dúvidas individuais.”. Bush estava picado, excessivamente, pela mosca da “ilusão positiva”.

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker

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O VIÉS DO INTERESSE PRÓPRIO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A diferença entre o julgamento que se faz do comportamento de outras pessoas e de si próprio é um exemplo clássico do viés em proveito próprio. (Steven Pinker)

Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso. No caso de haver esse envolvimento, requeira evidência corroborativa em proporção exata à violação da probabilidade evocada pelo seu testemunho. (Thomas Huxley)

As pessoas tendem a olhar para seus próprios erros com muito mais condescendência do que olham para os dos outros, ainda que sejam os mesmíssimos. Isso porque querem ser vistas com admiração e, para tanto, tentam parecer boas. E de tanto procurar apresentar-se como “boas”, elas passam a acreditar que o são de verdade, passando o “eu” a ser, ao mesmo tempo, enganador e enganado. Isso deixa claro que os indivíduos são propensos a agir em interesse próprio, ou seja, dando sempre um jeitinho de puxar a brasa para o lado de sua sardinha.

Segundo o humanista Steven Pinker, “O impulso para apresentar a si mesmo sob uma luz positiva foi um dos maiores achados da psicologia do século XX.”. Podemos ver isso com clareza no mundo da política, principalmente, em que o erro de um, embora seja igualzinho ao de outro, na essência é visto como diferente, quando se vê em julgamento, fato que mostra o quanto somos propícios a jogar nossos erros debaixo do tapete, como se nunca tivessem acontecido.

A pergunta que a psicologia faz, em relação ao comportamento do sujeito que dá à sua incorreção, embora similar à de outrem, um julgamento diferente, mesmo que o julgador seja tido como dono de conhecimento e capacidade intelectual, é se ele acredita realmente que está agindo com justeza, rigor e ética? Ou se seria apenas o viés do interesse próprio a coagi-lo a encobrir seu desregramento, de modo a ser parcial na sua concepção dos fatos, prejudicando terceiros? Ou ainda, se seria apenas o seu inconsciente a protegê-lo, a ponto de não lhe mostrar que está cometendo uma verdadeira velhacaria? Qualquer que seja a resposta, o fato é que a verdade nua e crua encontra-se ali, aos olhos de todos, embora o árbitro em questão, como o rei nu, ache que ninguém percebe sua desonestidade gritante.

Alguns estudiosos do assunto acreditam que, em certos casos, a teoria do autoengano é verdadeira, que a pessoa é sabotada por sua própria mentira, passando o seu “eu” a ser enganado e enganador ao mesmo tempo. Em assim sendo, resta a esperança de que os indivíduos que se encontram em tal desvio de caráter ainda encontrem o caminho da ética que preconizam “para os outros”, ao julgá-los . Mas os estudiosos também alertam para o fato de que não devemos nos deixar enganar pela teoria do autoengano, pois a tendência esmagadora é a de que as pessoas possam injuriar e prevaricar no julgamento de terceiros, conscientemente, pondo de lado seus escrúpulos, indiferentes aos atos danosos similares que tenham cometido.

Outro ponto interessante levantado por Pinker é no que tange à “memória histórica”. Segundo o humanista, “As vítimas de um conflito são assíduas historiadoras e cultivadoras da memória. Os perpetradores são pragmatistas, firmemente aferrados ao presente.”. É como diz um ditado muito conhecido em nosso país: “quem bate esquece, mas quem apanha, jamais”. Enquanto as vítimas trazem vívida a memória do sofrimento, os executores da atribulação carecem de memória, diluem-na no poço do esquecimento, com a etiqueta “não se lembrar”.

Nota: ilustração copiada de m.pt.dhgate.com

Sugestões de leitura
A representação do eu na vida cotidiana/ Erving Goffman
Erros foram cometidos, mas não por mim/ Carol Trivers e Elliot Aronson
Fraude e autoengano/ Robert Tavris
Por que todos (os outros) são uns hipócritas/ Robert Kurzban

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker

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O HOMEM É BOM OU MAU POR NATUREZA?

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os bebês não se matam entre si porque não lhes damos acesso a facas e armas de fogo. A questão […] que temos tentando responder nos últimos trinta anos é como as crianças aprendem a agredir. Mas essa é a pergunta errada. A correta é: como elas aprendem a não agredir. (Richard E.Tremblay)

Grande parte da violência humana é violência covarde: golpes de surpresa, lutas desonestas, ataques preventivos, incursões noturnas, execuções mafiosas, tiros disparados de veículos. (Steven Pinker)

Os atuais filmes de terror, que esguicham sangue, são água com açúcar se comparados às torturas e mutilações simuladas, que durante séculos deleitaram suas plateias. (Harold Schechter)

Eu nunca matei um homem, mas já li muitos obituários com grande prazer. (Clarence Darrow)

Segundo o suiço Rousseau, importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata, o homem nasce bom, mas a sociedade corrompe-o, pois ele encontra maldades por toda parte. Já o inglês Thomas Hobbes, matemático, teórico político e filósofo, achava que o homem é mau por natureza, o lobo do próprio homem. Rousseau e Hobbes tinham, portanto, ideias totalmente divergentes sobre a natureza humana.

Uma ligeira imersão na história da humanidade permite-nos ver que o sangue jorrou em abundância nos mais diversos lugares e tempos e pelos mais diferentes motivos. Assim sendo, é possível chegar à conclusão de que natureza humana é propensa à maldade, acampando no seu bojo motivos que a impelem à violência, como a predação, a dominação e a vingança. Contudo, ela também tem uma inclinação para a paz, a compassividade, a retidão, o equilíbrio e a razão. O fato é que a espécie humana agrega seus demônios interiores, assim como seus anjos, vivendo esses “eus” em permanente colisão, quando uns tentam se sobrepor aos outros. Vencerão os anjos, se os demônios estiverem sob constante vigilância, ainda assim por certos períodos de tempo.

Um fato que pode nos surpreender é a descoberta feita pelo psicólogo e pesquisador Richard E.Tremblay que, ao medir os índices de violência no fluir da vida, chegou à conclusão de que o estágio mais violento encontra-se nos “dois anos”, ou seja, quando o homem é ainda bebê, sendo tais índices reduzidos no caminhar dos anos do indivíduo. Concordando com Tremblay, o humanista Steven Pinker acrescenta que “Um típico representante dessa fase, ao menos de vez em quando, chuta, morde, bate e se mete em brigas; então o índice de agressividade física passa a reduzir-se constantemente ao longo da infância.”.

Embora estejamos acompanhados por nossos demônios interiores da violência, poucos são aqueles que andam a soltá-los por aí, sem um mínimo de autocontrole. Ainda assim, é quase impossível dizer que nenhum de nós, em um dado momento, não desejou matar alguém, fazer uma determinada pessoa desaparecer de nosso campo visual. Trata-se de um instante que a psicologia chama de “fantasia homicida”. Esse nosso devaneio sanguinário está também presente quando usamos nosso tempo com passagens de certos livros religiosos “banhados em sangue”, sagas homéricas, tragédias gregas, dramas shakespearianos, livros de terror, folhetins sensacionalistas, filmes violentos, quadrinhos de horror, videogames de guerra, etc., conforme descreve Pinker em seu livro “Os anjos bons da natureza humana”. Aproveitemos para conhecer alguns termos relativos à violência (o sufixo -cídio exprime a ideia de morte, extermínio):

  • homicídio – morte de um indivíduo praticada por outro;
  • cristicídio – suplício de morte infligido a Cristo.
  • democídio – (neologismo) assassínio de qualquer pessoa ou grupo de pessoas por parte do seu próprio governo;
  • genocídio – extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso;
  • etnocídio – destruição de uma etnia no plano cultural;
  • presidenticídio – assassínio de um presidente;
  • politicídio – as vítimas integram grupos definidos por suas filiações políticas;
  • regicídio – assassinato de um rei, seu consorte, de um príncipe, herdeiro ou de outras formas de regentes, como presidentes e primeiros-ministros;
  • infanticídio – assassínio de uma criança, especialmente de um recém-nascido;
  • neonaticídio – refere-se à morte ou o abandono de um recém-nascido por parte de um ou ambos os progenitores, nas primeiras vinte e quatro horas de sua vida;
  • filicídio – ato de matar o próprio filho;
  • feminicídio – significa a perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino;
  • parricídio – assassínio do pai, mãe ou qualquer um dos ascendentes;
  • uxoricídio – assassinato da mulher pelo próprio marido;
  • mariticídio – assassinato do marido pela própria mulher;
  • terrorismo pelo suicídio – é qualquer tipo de operação bélica em cujo processo quem ataca tem a intenção de morrer junto;
  • animalicídio – morte violenta de animal;
  • regicídio – incluindo genocídio, politicídio, e assassínio em massa.

Sugestão de leitura
Homens maus fazem o que homens bons sonham/ Robert I. Simon (psiquiatra forense)

 Nota:  pormenor de A Criação do Homem, de Leonardo da Vinci

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da natureza humana/ Steven Pinker/ Edit. Companhia das Letras

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