Arquivo da categoria: Janelas pro Mundo

Artigos excêntricos de diferentes partes do mundo

ÍNDIA – OS STANDING BABAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Meus queridos leitores, confesso que há muito tempo não lia um livro tão bom quanto Shantaram, do escritor australiano Gregory David Roberts. O romance épico, primeira obra do autor (2003), passa na cidade indiana de Bombaim (Índia), num cenário de “mendigos, gângsteres, prostitutas, homens santos, soldados, atores, indianos e exilados de outros países, que procuram o que não podem encontrar em nenhum outro lugar”, com uma trama extremamente bem tecida.

A Índia é, na verdade, um país onde as surpresas nunca se esgotam. Jamais poderia imaginar que um ser humano pudesse optar por ideias tão estapafúrdias, com o objetivo de encontrar a iluminação espiritual seguindo certos comportamentos esdrúxulos, renegando o próprio corpo, bem maior da vida. Vocês já devem estar ansiosos, para que eu entre no assunto e pare de delongar, no que serão prontamente atendidos. Vamos à informação central deste texto.

Os Standing Babas são homens que fizeram um dos mais inusitados juramentos existentes no planeta.  Juraram nunca se sentar ou se deitar.  Não por algumas semanas ou meses, mas pelo resto da vida, segundo alguns, ou durante 12 anos, segundo outras fontes. Isso não vem ao caso, pois um dia inteiro de pé já dá calafrios. Só de pensar nessa possibilidade, as minhas pernas cambaleiam sem forças. Eles permanecem em pé, dia e noite, noite e dia. Fazem tudo de pé, até mesmo suas necessidades fisiológicas. Como os excrementos caem pelo chão, sem se resvalarem pelas pernas dos ascetas, é outra interrogação.

Alguns devem estar questionando que é impossível alguém dormir de pé. Chegando à conclusão óbvia de que esses homens não dormem. Mas pode um ser humano ficar sem dormir? Não enlouqueceria? Os Standing Babas dormem, sim! Eles dormem em pé. Como? Suspensos por arreios que diminuem o peso sobre as pernas, evitando que caíam, enquanto dormem. Mas, que bem isso traria para o dono do corpo e para a humanidade? Tanto suplício poderia contribuir para a iluminação? A dor excessiva não embota a mente, tornando-a ainda mais estúpida?

Segundo o escritor David Gregory, nos primeiros cinco a dez anos, as pernas da pessoa, que se imola em tal posição, incham assustadoramente, ao ter que suportar o peso do corpo. O sangue circula lentamente pelas veias extenuadas e músculos endurecidos. As pernas enchem-se de ulcerações e ficam enormes, parecidas com as dos portadores de elefantíase, deformadas e cobertas por furúnculos de veias inflamadas. Os pés ficam parecidos com  as patas dos elefantes. Passado esse tempo, as pernas vão afinando, até que restem apenas os ossos cobertos por uma pele fina, marcada por um emaranhado de veias secas. Ninguém duvida de que a dor é terrível e infindável, como se espadas e espinhos adentrassem nos membros inferiores, a cada passo dado.

Diz ainda o autor que alguns dos Standing Babas fizeram o juramento quando eram adolescentes, com 16 ou 17 anos de idade. Contam eles que foram chamados por vocação. Dentre eles, existem homens que vieram dos mais diferentes tipos de vida: negociantes, libertinos, ladrões, assassinos, mafiosos, latifundiários, etc. Todos renunciaram ao mundo, preparando-se para a morte e a próxima reencarnação, conforme prega o hinduísmo. Todos buscam a expiação na agonia do voto. Dizem não ter compromisso com o mundo terreno, mas com o divino. Será que algum ser superior fez o homem para se sujeitar a isso? Onde estaria então, a beleza de sua criação?

Nota: Imagem copiada de http://remainsofthedesi.wordpress.com

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ÍNDIA – O FOGO SAGRADO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os rituais hindus vão muito além do que imagina a nossa vã filosofia. Quando pensávamos que nada mais tínhamos para descobrir, eis que surge o Casamento Gandara: um casamento indissolúvel, realizado diante das chamas do fogo sagrado.

Primitivamente, os indianos possuíram uma literatura sagrada intimamente ligada à sua religião. Os primeiros livros dessa literatura são os Vedas (conjunto de textos sagrados), que descrevem e celebram os deuses de então:

  • Agni – deus do fogo: do fogo doméstico, do fogo celeste, do sol, do fogo das nuvens, do raio,
  • Indra – o deus da atmosfera, análogo ao Zeus dos gregos,
  • Soma – a lua, etc.

Agni, portanto, é o deus do fogo sagrado na cultura védica, importante em quase todos os rituais religiosos, pois os hindus acreditam que, sem o fogo, não pode haver vida. O deus Agni está presente em vários hinos dos Vedas.

O fogo é um dos quatro elementos que regem o planeta (Fogo, Água Ar e Terra), sendo considerado um símbolo sagrado na maioria das religiões, incluindo o Hinduísmo, Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Xintoísmo e Wicca. Quase todos os rituais religiosos são realizados na presença desse elemento, seja em forma de fogueiras, ou mesmo simplesmente representado por uma vela, possuindo um misticismo, que envolve quase todas as crenças.

Nas religiões neopagãs, como é o caso do Druidismo, da Wicca e da Asatru, também existe a crença na existência de cinco elementos constituintes do Universo, sendo eles o Fogo, a Água, o Ar, a Terra e Akasha, sendo este último a manifestação da energia divina.

 A Índia é o país dos rituais, assim como os demais países do Oriente. E o mais engraçado é que poucas pessoas conhecem a origem desse ritualismo, mas dele fazendo parte sem ter um mínimo de noção. Agem, na maioria das vezes, por mero condicionamento. Dentre tantos rituais, está o casamento, pois goza de grande prestígio dentro da tradição hinduísta.

A família representa um pequeno núcleo do Estado. Sendo que tudo é feito no sentido de fazê-la prosperar. Sem a família, nenhum de seus membros consegue apoio, pois ela age em conjunto. A família é o pilar da sociedade hindu. Quando o filho casa, a esposa acompanha-o para morar com sua família. Quem casa um filho, ganha uma filha e quem casa uma filha, perde-a para a família do esposo. Mesmo dentro do hinduísmo, existem muitos rituais relativos ao casamento, variando de região para região, cultura e costumes étnicos.

Nota: Imagem copiada de http://valeriareis.blogspot.com.br

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ÍNDIA – PARADOXO DE LUXO E MISÉRIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A Índia tem povoado os nossos sonhos desde a infância, quando estudamos a descoberta casual de nosso país, pois os portugueses estavam atrás dos caminhos para a Índia e não de um novo continente. Tanto é que a palavra índio, que designa os primitivos habitantes do continente americano, também conhecidos por silvícolas, veio da palavra Índia. O nosso intrépido Pedro Álvares Cabral, com tanta sede de aportar no continente indiano em busca de suas especiarias, nem percebeu que pisava em outras terras. E assim herdamos a paixão pela Índia desde a nossa mais tenra idade. Tornamo-nos íntimos e encantados com aquele país.

Na Índia real existem dois países: a Índia da Luz e a Índia da Escuridão. E é sobre essa última que falaremos agora, uma vez que a primeira é conhecida além da conta, a ponto de fazer sombra sobre a segunda.

A Índia da Escuridão é aquela que mergulha no Rio Ganges e de lá sai com a boca cheia de fezes, de palha, vê partes de corpos humanos encharcados, búfalos em decomposição, além de ser banhada por sete diferentes ácidos industriais, e ser coberta por um cheiro de carne em putrefação. É aquela em que as pessoas nas aldeias ainda não sabem quantos anos têm. E em que as liteiras de bambu transportam o cadáver embrulhado num pano de cor de açafrão, cuja cremação é de acordo com o montante de achas de lenha que se pode pagar. No ponto em que as águas do Rio Ganges tocam as margens, nessa Índia, debaixo das plataformas, onde as toras ficam empilhadas, há um grande lamaçal pardo, cheio de guirlandas de jasmim, pedaços de tecidos, pétalas de flores, ossos enegrecidos pelo fogo, cães fuçando por toda parte.

Na Índia da Escuridão vivem os condutores de riquixás, proibidos de circular nos bairros luxuosos de Nova Delhi, na Índia da Luz, para não impressionar os estrangeiros ricos, dando-lhes uma má impressão sobre o país. Esses homens são, na verdade, bestas de carga humana, que mal se aguentam de pé, pois muitos estão vitimados pela tuberculose ou avitaminose. Nessa parte da Índia é possível encontrar uma criação de porcos. Quem o faz é tido como a escória da escória, o nitrato do cocô do cavalo do bandido. Os salários pagos aos funcionários públicos são baixíssimos, de modo que, para seguir a tradição, as famílias endividam-se ao ter que pagar o dote para casar suas filhas. Como resultado, os membros da família da noiva são obrigados a trabalhar para o senhor emprestador como servos, tirando, inclusive, os filhos da escola, para aumentar a mão de obra. Fato que acontece em todas as categorias pobres, ocasionando muitos assassinatos e revolta, quando o dote não é pago. Não se perdoa uma dívida naquele pedaço da Índia.

As meninas não são desejadas na Índia da Escuridão. Para tanto, basta um empurrão num poço aberto, uma lata de querosene e um fósforo ou a venda para um bordel. E a família não tem que se preocupar com dotes. Por isso, a Índia pulula de homens em busca de mulheres. Ficar grávida é uma desonra para a família. Mas é fácil resolver o problema. Bastam apenas uns chutes rápidos na barriga da devassa ou jogar a pequena vítima nas águas do Ganges, que tudo cura e santifica. A Índia da Escuridão busca água na torneira comunitária, enfrentando filas enormes e muita agressão na disputa por um espaço para que possa encher o seu pote. Sem falar nas filas para o uso do banheiro comunitário, pois não há como controlar o intestino, de modo a evitar as péssimas condições do local, onde se deve ficar de cócoras para defecar. E ainda é preciso fazer malabarismo para caminhar pelo pouco espaço, onde ficam os excrementos humanos, que os moradores das favelas deixam no chão de barro do banheiro comunitário ou nas ruas próximas.

Ao fedor encontrado na Índia da Escuridão ajuntam-se centenas de moscas, fazendo revirar o estômago de qualquer um, apesar de as mulheres intocáveis (dalit) receberem algumas miseráveis rúpias dos moradores das favelas, para recolherem montes de fezes, diariamente. Elas nunca dão conta do serviço, pois os corpos dos seres humanos expelem tudo que não desejam, principalmente quando comandados pela diarreia. As mulheres intocáveis ficam de cócoras, posição muito comum àqueles que não podem se assentar em cadeiras ou sofás, enquanto vão varrendo montanhas de excrementos para dentro de seus cestos de vime, forrados com jornal, sem luvas e descalças. Apesar de viverem nas favelas, a grande maioria dos moradores, pertencentes às sub-castas ou castas baixas, sente-se superiores aos intocáveis. Usa para com eles do mesmo desprezo despendido pelas castas ricas. Ali, nem a miséria irmana. Na Índia da Escuridão, a miséria é ainda mais visível durante a luz do dia, quando é possível ver as valas a céu aberto, com seu cheiro forte e podre, os homens magérrimos de boca aberta, deitados nas calçadas, o estupor da embriaguez carregada por muitos, os barracos rotos, desalinhados, com tetos remendados de placa de zinco, os casebres desalinhados de estrutura de papelão, lata e lona, em meio à imundície, à bruma de poluição e ao bodum.

Nessa parte da Índia, o espetáculo da pobreza diz muito mais que os filmes de Bollywood e tem personagens reais, que nunca mudam de papel: as crianças com suas pernas de palito correndo pelas ruas, idosos curvados sob o peso da canequinha em que recebe a esmola, pessoas fazendo suas necessidades fisiológicas nas ruas, aleijados nos mais diferentes estilos, corpos carcomidos pela lepra e por uma infinidade de doenças não tratadas, olhos famintos e mãos cadavéricas tentando penetrar nos carros que param nos semáforos em busca de esmolas. Aí também vivem milhões de crianças, menores de quinze anos, casadas ou viúvas. Vêm ao mundo diariamente dezenas de milhares de crianças, sendo que grande parte delas jamais chegará aos cinco anos de idade ou jamais conhecerá a Índia da Luz. Na Índia da Escuridão, ainda se acredita que o celular corrói o cérebro humano, encolhe os testículos e seca o sêmen. E os shoppings não aceitam a entrada de pobres.

A Índia da Luz já é muito conhecida por todos nós, a ponto de nos embotar a noção de realidade. É a Índia das quatro mais importantes castas, do Taj Mahal, dos marajás, dos palácios e templos, dos grandes comerciantes, do desenvolvimento tecnológico, da bomba atômica, de Ganesha e Lakshmi, das peças trabalhadas em ouro e onde a corrupção vive à solta, enquanto a outra…

Nota: Imagem copiada de http://blogs.odiario.com

Fonte de pesquisa:
O Tigre Branco/ Aravind Adiga
O Sári Vermelho/ Javier Moro

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ÍNDIA – DIWALI: A FESTA DAS LUZES

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O Diwali é um festival, originalmente hindu, com muita simbologia difícil de ser explicada, portanto, para facilitar, é sintetizado como a Festa das Luzes. Seu significado metafórico é o da iluminação da alma e da mente, de maneira que o mal e a ignorância sejam banidos da vida de cada um. A origem do Diwali é bem remota. Segundo alguns historiadores, esse festival nasceu na Índia antiga, na época das grandes colheitas. Outros acreditam que seja a celebração da união entre Visnhu e Lakshmi.  Os inúmeros significados chegam a variar de região por região, de acordo com suas lendas. O Diwali, também conhecido por Deepvwali, é celebrado pelos indianos que vivem fora do país. É festejado em outras religiões como o Jainismo, o Sikhismo e o Budismo e em outros países, como no Nepal.

As casas são esmeradamente limpas, recebendo muitas luzes e incenso, ficando maravilhosamente iluminadas. São limpas e decoradas para o dia e iluminadas à noite com lamparinas de óleo. Familiares e amigos trocam presentes e doces. Em toda a Índia há fogos de artifício e muita festa.As luzes e as lâmpadas significam a vitória do mal sobre o bem, dentro de cada ser humano. Esse festival traz a unidade entre as famílias e as pessoas de modo geral (Pelo menos enquanto dura!). Toda a inimizade é esquecida. As pessoas abraçam-se umas às outras, cheias de amor. Dizem que as vibrações produzidas pelo Diwali, que enchem a atmosfera, são poderosas o suficiente para produzir mudanças no coração de todo homem e toda mulher neste mundo. Nesse dia, os hindus do norte da Índia abrem seus livros de contas e rezam pedindo sucesso e prosperidade para o ano que está chegando. Todos esperam que a plenitude da iluminação interior seja realizada. E que a suprema luz das luzes ilumine o entendimento de cada um, assim como possa adquirir a saúde espiritual e que haja prosperidade tanto no plano material quanto no espiritual.

O Festival das Luzes de Lakshmi homenageia a deusa Lakshmi como esposa de Vishnu, o sustentador do universo para os hindus. Marca também o início de um novo ano. Muitos acreditam que, nesse período, a deusa Lakshmi traz prosperidade ao mundo todo. Nessas noites, as esposas hindus dançam, em particular, para seus maridos. Lanternas de óleo são acesas por toda parte e pratos típicos são servidos. É uma temporada de boa sorte e prosperidade. Celebrado uma vez ao ano, no festival, as pessoas devem usar roupas novas, dividir os doces e estourar rojões e fogos de artifício, comemorando a destruição das forças do mal. O povo comemora com entusiasmo e alegria o poder dos deuses. A Índia fica toda iluminada com luzes que representam o bem vencendo as trevas.

Cada dia do Festival de Luzes possui uma celebração com um significado diferente. Os lares são iluminados com o maior número de luzes possível, rescendem a insenso, enquanto fogos de artifício iluminam os céus por todos os lados, com o intuito de agradecer e continuar recebendo prosperidade, sabedoria, saúde, paz e riqueza. É um festival de iluminação e de renovação, pois os hindus acreditam que, nessa festa, o poder divino supera a escuridão do mundo terreno. O Diwali é uma das principais festas do festival hindu, comemorado uma vez por ano. Tem a duração de cinco dias contínuos, onde há troca de doces e presentes, entre as pessoas. Assim se distribui durante os cinco dias:

1º dia – são feitas orações à deusa Lakshmi para pedir prosperidade no novo ano, que ora se inicia. Esse dia é muito importante para os comerciantes e empresários.

2º dia – fogos de artifícios existem, mas não em grande quantidade. Pujas (procedimentos de reverência à deidade) são feitas e, através delas, comunica-se espiritualmente o desejo de uma pessoa à deidade, na esperança que o mesmo seja cumprido. De modo que, se uma pessoa não puder ir fisicamente a um templo, ela poderá escolher alguém da sua confiança  para o oferecimento do seu Puja.

3º dia – é o principal dia, quando a dona da casa desenha o rangoli (um desenho feito na entrada da casa). Acendem-se velas por todos os cantos da casa, de modo que lugar algum fique escuro. Depois é feito o Puja direcionado à deusa Laksmi (ou Laxmi). Logo a seguir vem a explosão de fogos de artifício nas ruas, acompanhado do alarido das pessoas.

4º dia – é o dia do Gudi Padwa que simboliza o amor entre a esposa e o marido. Há uma refeição especial, onde presentes são trocados.

5º dia – é tido como o dia do irmão. As irmãs fazem um Puja para a segurança e saúde desse. E ele faz uma marca na testa delas, como símbolo de saúde e felicidade.

Mais uma vez deparamos com a controvérsia. Alguns dizem que os fogos funcionam como uma espécie de aviso aos deuses, para que saibam que o seu povo está muito feliz. Outros dizem que a fumaça tem a função de matar os variados tipos de insetos, que infestam a Índia, depois das monções.

O Diwali representa quatro dias da mais pura festividade, em que o perdão é amplamente concedido entre as pessoas. O clima da festa deve ser o de harmonia e amizade. Oportunidade em que os indivíduos misturam-se sem preconceitos. Pena que este estado de sabedoria dure apenas cinco dias. E depois, tudo volta a ser como dantes, no quartel de Abrantes. Ao apagarem a luz exterior, também apagam a luz interior, deixando o coração cheio de preconceitos, ganância e superioridade. ULUCAPATÁ!

Nota: Imagem copiada de http://www.investmentkit.com

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ÍNDIA – OS NOIVOS CRIANÇAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Venha o que vier, precisarei me adaptar, pois as mulheres têm de fazer sacrifícios, porque neste país as coisas são feitas para os homens. (Shobha Choudhary, casada desde os oito anos)

Segundo a lei indiana, o casamento de crianças é proibido, pois legalmente uma moça só pode se casar após completar 18 anos. Mas entre a realidade e a lei jaz uma abissal distância, sendo que em muitas regiões do país, principalmente nos vilarejos, a afronta à lei corre solta, com as autoridades fazendo ouvidos moucos.

O casamento é normalmente arranjado pelos pais, orgulhosos de suas meninas, que consideram como meros objetos de troca. Para burlar qualquer tipo de vigilância, o casório é realizado lá pelas tantas da madrugada, caso não se possa contar com a anuência de um policial corruptível. Pois, caso a cerimônia seja barrada, além de passar pela escaldadura da prisão, a família ainda purgará pelo vexame de ver os preparativos abortados e a filha solteira dentro de casa, tendo perdido a ocasião de casá-la com “uma pessoa respeitável”. Terá então de correr o risco de ver seu pequeno rebento perder a virgindade com outro homem que não é o esposo escolhido pela família tão “zelosa”.

Quando a família consegue burlar a frouxa lei e o casamento é efetuado, a tradição indiana exige que se leve em conta a “gauna” (ocasião em que a nova esposa deixa a sua família, para ir morar com a família do marido). A esposa mirim só deve fazer a mudança após a sua puberdade (Segundo o Aurélio: Conjunto das transformações psicofisiológicas ligadas à maturação sexual que traduzem a passagem progressiva da infância à adolescência). Enquanto isso, ela ficará morando com a própria família. Mas é enganoso pensar que as coisas sempre acontecem assim. A permanência da menina com a própria família é muito curta, pois ao se casar, ela terá que abandonar sua gente e se entregar literalmente à família do marido, tornando-se serviçal da sogra e dela sofrendo maus tratos, na imensa maioria das vezes. As filhas que ainda se encontram sob o teto de seus pais são tidas como “riqueza de outro” (paraya dhan). Triste ironia!

Os moradores de tais regiões carregam a concepção de que, ao casar a filha ainda criança, o pai estará protegendo-a de uma possível desonra, pois ao inseri-la no estado civil de casada, ela se tornará respeitada por todos os homens. Como sempre, a honra da família é a manobra mais comum para justificar e encorajar o casamento infantil. E quanto mais pobre for uma comunidade, menor é a possibilidade de que uma menina ou moça desvirginada venha a se casar. Discriminação que fortalece o casamento infantil, pois o desrespeito à mulher é muito grande, e, portanto, nenhuma garota está livre de ser estuprada.

É muito comum que numa família ocorra o casamento de muitas garotas ao mesmo tempo. Mas existem inúmeras artimanhas para escamotear o casório das menininhas, ainda muito distantes da puberdade. Essas uniões são feitas de modo a não levantar a menor suspeita.  Um dos estratagemas é não colocar o nome das crianças nos convites. E, como as cerimônias são celebradas na calada da noite, as pequeninas são retiradas da cama, ainda dormindo, levadas nos braços e depositadas diante do sacerdote hindu (quando a família pertence à religião hinduísta).  Muitas vezes, o marido é um garotinho de quatro a cinco anos mais velho do que a esposa. O casalzinho, na maioria das vezes, continua dormindo, apesar das reprimendas dos pais.

Embora a Índia faça parte do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – países emergentes que se destacam no cenário mundial como nações em desenvolvimento), continua muito atrasada em relação aos direitos da criança e da mulher, sendo o casamento a vitrine mais visível de tal paradoxo. A maioria dos casamentos realizados no país ainda é organizada pelos pais ou parentes mais próximos, sem que a mulher tenha a liberdade de escolha. A suposta importância da família do noivo sobrepõe-se à vontade da futura esposa. Ela deixa de ter qualquer distinção como indivíduo, diante de seu núcleo familiar que alega saber o que é bom para ela. Fato que contribui para fortalecer e perpetuar o sistema de castas e subcastas na Índia.

Fontes de Pesquisa:
National Geographic/ Setembro/2011

Nota:  Rajini e seu pequeno noivo.
Foto retirada da revista National Geographic

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ÍNDIA – DHARAVI: CIDADE DAS SOMBRAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A favela de Dharavi fica no centro financeiro de Mumbai, ex-Bombaim, a capital financeira da Índia, fazendo fronteira ao norte com o rico bairro de Bandra. É chamada por alguns cientistas sociais de “a maior favela da Ásia”, sendo que outros a consideram como a maior favela do mundo. Na verdade, não é nem uma coisa e nem outra, pois é  na Cidade do México que se situa, hoje, a maior favela do mundo. Enquanto a maior favela da Ásia está em Karachi, distrito de Orangi.

Dharavi é uma visão terrível principalmente quando pensamos no futuro das grandes cidades indianas, que vêm inchando mais e mais, à medida que a população da zona rural opta por buscar os grandes centros. Processo esse que é visto em todos os países que fazem parte do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

A área em que se encontra Dharavi já foi um manguezal pantanoso, habitado por pescadores do povo koli. Quando o pântano ficou inviável, em razão do excesso de detritos, os kolis abandonaram-no. Para lá, acabaram convergindo pessoas das mais diversas etnias, vindas da zona rural, em busca de trabalho na cidade, quando essa era ainda relativamente pequena. Dentre as inumeráveis etnias, os muçulmanos compõem 1/3 da população local. Com o colapso das tecelagens, meninas dos olhos da Índia nos anos de 1970, o crescimento de Dharavi explodiu. Sem os serviços públicos, a maioria dos moradores é espoliada pela máfia local, até mesmo para ter direito à água e à eletricidade controladas por capangas. Em Dharavi, nada é considerado sem uso. Tudo encontra uma função, por mais roto ou velho que possa parecer. Ali, tudo é reciclado de uma forma ou de outra. É para onde converge o lixo dos ricos.

A cidade de Mumbai divide-se entre arranha céus imponentes e caríssimos e áreas pardacentas formadas pela favela. À medida que a cidade vem crescendo, tentando se rivalizar com Xangai (China) como maior centro financeiro asiático, a situação dos favelados tem se tornado cada vez mais difícil, pois o local privilegiado, bem no coração de Mumbai, vem sendo disputado por grandes empresas, no sentido de empurrar a favela para os confins da cidade. Planos mirabolantes são apresentados a cada dia, uma vez que prédios construídos ali renderiam um grande lucro imobiliário.

Os moradores de Dharavi encontram um desdém, cada vez mais acirrado, principalmente por parte dos empresários, que argumentam que a favela é responsável por sufocar a cidade, roubando seu lugar no século XXI. Concluem os poderosos que é preciso acabar com aquele depósito de lixo humano, onde ninguém paga imposto. Acham que essa gigantesca massa de pobres deve viver na periferia, amontoadas em prédios populares. Numa análise mais criteriosa é possível notar que Mumbai é uma cidade habitada por um punhado de ricos e por uma imensidão de pobres. Só para se ter uma ideia do tamanho da miserabilidade do local, basta dizer que um sanitário atende a centenas de pessoas. O que mostra como a defecação foi e continua sendo um problema a ser resolvido pela Índia. Possuir um banheiro próprio é sonho para pouquíssimos.

Os gurus, na maioria das vezes, são um empecilho à saúde das populações carentes. Eles fazem declarações absurdas, sem nenhuma responsabilidade, mesmo cientes do poder que exercem sobre aquela gente analfabeta e cheia de superstições. Só para se ter ideia da gravidade do comportamento deles, certa vez declararam que a água do ribeirão Mahim (o fétido banheiro público extra oficial da favela de Dharavi), milagrosamente, tornara-se potável. Todos poderiam voltar a consumir a água. No que foram prontamente atendidos pela maioria da população. Palavra de homem santo jamais é contestada na Índia. O resultado não poderia ser outro: problemas intestinais em massa levaram muitos à morte.

Os moradores de Dharavi tem consciência de que há muita poluição, causada principalmente pelos fornos dos oleiros. Mas sabem que se saírem dali, mudarão simplesmente de uma favela horizontal, para uma vertical, conforme as ofertas recebidas, para morarem em minúsculos apartamentos, ainda tendo que pagar várias taxas, dentre elas a de elevadores.

A chuva para Dharavi é ao mesmo tempo bênção e maldição. Embora refresque o ar, encha os baldes e bacias de água, assim como diminui o movimento das minúsculas ruas quase que intransitáveis, também destrói os frágeis barracos, enchem o chão de lama e jogam nas vielas excrementos humanos e  animais. Contudo, seus moradores continuam firmes no propósito de não deixarem o local, usando como arma o slogan:

Dhavari é nosso lar!

Nota: Imagem copiada de http://trancendconsultingtalks.blogspot.com.br

Fonte de pesquisa:
National Geographic/ nº 86

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