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Artigos excêntricos de diferentes partes do mundo

ÍNDIA – CASAMENTO HINDU

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os casamentos na Índia obedecem às várias tradições, variando de acordo com a casta, a região, a cultura e os costumes das mais diversas etnias que compõem o mosaico indiano. Embora encontremos exceções nos dias de hoje, muitos dos casamentos entre hindus são arranjados pelas famílias dos noivos, a fim de reforçar os laços familiares, que são muito importantes na Índia. Muitos hindus acreditam que uma pessoa solteira não possui status social. Por isso, o casamento hindu é considerado uma união sagrada e imutável. E, se um filho ou filha não casar, gera uma grande tristeza para a família.

Os pais buscam companheiros especiais para seus filhos, levando em conta a mesma religião ou casta das famílias. A aliança é arranjada depois que consultam os mais velhos da família e os astrólogos comparam horóscopos, castas, contexto familiar e social. Quando o casamento é arranjado, as duas famílias entram em uma relação mais profunda, de modo que, ao surgirem problemas na vida do novo casal, ambas  trabalham juntas, para resolvê-los.

Um casamento hindu mais parece uma maratona para os noivos e sua família. Exige uma cerimônia bem elaborada, que passa por diversas fases.  A duração pode levar vários dias. Já na semana anterior ao casório, vários rituais são feitos, principalmente aqueles ligados à fertilidade, pois uma mulher estéril é descriminada, principalmente pela sogra que, na maioria das vezes, não é lá flor que se cheire,e quer descontar na nora, aquilo que passou debaixo das garras da mãe de seu marido.

As mãos da noiva, assim como as de suas amigas, recebem lindos desenhos de henna, antes do casamento. Pela exuberância desses pode-se saber a qual casta pertence a noiva. Os corpos dos nubentes passam por intensa massagem com óleos perfumados, com as mais variadas essências, enquanto eles cantam mantras, de modo a purificar o corpo e a alma, antes da cerimônia. As irmãs do noivo costumam roubar-lhe os sapatos, para que o irmão lhes dê, em troca, presentes em ouro, ao devolvê-los.

No dia do casamento, o noivo chega à casa da escolhida conduzido por uma procissão, às vezes montado num cavalo branco, de turbante e espada. Durante a festa, para testar a coragem e o vigor do moço, um parente da noiva desafia-o para uma luta. Assim poderá ver se o cavalheiro está apto para defender a honra de sua futura esposa. O sacerdote invoca as bênçãos de Brahma para o casa, e se dirige a seus antepassados, pedindo-lhes para abençoar aquela união.

Iogurte e mel são oferecidos pela noiva ao futuro marido, como indicativo de sua pureza e doçura. Ambos trocam um colar, colocado durante a cerimônia no pescoço um do outro. Ao final, o pai entrega a filha ao marido, e eles trocam seus anéis. O ambiente é purificado com óleos e essências, enquanto os pombinhos fazem juras de amor eterno. No final da cerimônia, pisam numa pedra para simbolizar a força do amor de ambos. Mas a festa não para por aí. Mesmo depois de casados existem outras cerimônias a cumprir na nova casa. Levam consigo uma chama sagrada, que devem manter acesa. Primeiro entra a noiva com o pé direito e, depois, o noivo. A seguir, ficam em silêncio até o cair da noite, para que, sob um céu estrelado, prestem homenagens a seus antepassados.

A joia indiana está fortemente ligada ao casamento, pois existe uma grande necessidade de torná-lo visível aos olhos da sociedade. A Índia é regulada pelas regras do casamento e da religião. Ao término do ato do casório é comum o pai da noiva dizer para o genro: “Agora eu lhe entrego esta menina adornada de ouro”. Como veem, o ouro tem grande valor junto a esta cultura, que, embora alguns julguem espiritualizada, é na verdade muito materialista.

Embora o dote seja “oficialmente” ilegal nesse país, tal prática sobrevive com muita força. O único bem pertencente à mulher são as joias, que ela recebe da sua família ao se casar. Caso o casal venha a se divorciar, ela vai ter direito de levar apenas suas joias. Nada mais! Todo o resto fica para a família do marido. E se vier a se enviuvar, grande azar para uma mulher hindu, ela não poderá mais usar nem mesmo essas joias em seu corpo, mas poderá passá-las às filhas. Em razão da importância de tal adereço, o metal utilizado nas cerimônias de casamento é sempre o ouro (de acordo com a casta, é claro). Simboliza a deusa Lakshmi e é sinônimo de pureza e abundância, sendo proibido o seu uso nos pés.

Na Índia, setembro e março são os meses eleitos para os casamentos. As joalherias ficam entupidas de famílias ricas, para escolherem as joias mais vistosas que irão enfeitar a noiva. Algumas peças são indicadoras da casta ou da religião, e não podem ser usadas por outras castas ou pessoas oriundas de outros credos. Assim, enquanto num casamento ocidental o símbolo da união é o uso de alianças, na Índia, a noiva se casa carregada de ouro. Como diríamos por aqui, parecendo “uma árvore de natal”.

As peças mais utilizadas são:

  • o Nath (brinco de nariz);
  • o Bor (adorno usado na testa);
  • o Paizeb (tornozeleira com sininhos) e os populares anéis nos pés (somente em prata);
  • o Mangalsutram é a peça mais tradicional, que vem do sânscrito “mangal” (próspero, abençoado) e “sutram” (cordão).

O cordão de casamento só pode ser retirado em caso de morte do marido. É tecido com finas linhas de algodão tingidas de amarelo. São 108 pedaços de linha trançados (esse é um número de sorte para os indianos). Um pingente é colocado no cordão para atrair ainda mais sorte.

Nota: imagem copiada de http://www.noivas.net/cerimonia-de-casamento-hindu

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ÍNDIA – A FILOSOFIA HINDUÍSTA

Autoria de Lu Dias Carvalho

DARMA

O hinduísmo possui uma visão filosófica sobre a existência do Universo bem distante daquela apregoada pelo cristianismo que a relata de acordo com o seu livro Gênesis. Para os adeptos da religião hindu, o mundo vive em permanentes ciclos de evolução e dissolução, crescimento e decrescimento, assim como um organismo vegetal ou animal, sendo Brahma a força espiritual responsável por manter esse processo ininterrupto, numa eterna repetição.

Ao contrário do cristianismo, segundo o hinduísmo, o homem não ascende à natureza, mas apenas é uma parte dela, jamais seu dono. O que existe é a transmigração da alma que passa de uma espécie a outra, de corpo a corpo, de vida a vida, de modo que ele nada mais é que um elo na cadeia da vida, e não especificamente um indivíduo. Amanhã poderá ser uma árvore, depois um elefante, ontem pode ter sido uma barata, etc. As espécies não são, na verdade, um divisor de águas, mas estados transitórios, uma vez que a vida é una.

Para o hinduísmo, uma vida corresponde apenas a uma das infinitas transmigrações da alma, sendo que toda forma é transitória, dentro de uma realidade única e contínua. As reencarnações nada mais são do que fases de uma vida individual, que podem levar a alma ao progresso ou à decadência, de acordo com a sintonia existente entre Darma e Carma. De modo que todo ser existente no Universo possui um fim determinado, pois obedece à lei da existência. Tal lei recebe o nome de Darma, enquanto a ação de fazer com que ela seja cumprida recebe o nome de Carma.

Samsara (ou Roda de Samsara) representa o ciclo contínuo de nascimento, morte e transmigração da alma, a que tudo está sujeito. E quanto mais um ser se afastar, durante uma vida, da lei da existência, mais tempo permanecerá na Roda de Samsara. Para encurtar os ciclos de suas muitas existências é preciso que o homem busque a iluminação total, abrindo mão de qualquer tipo de apego. E isso se dá na busca pela harmonia entre Darma e Carma.

O hinduísmo argumenta que, sendo a alma imortal, ela não poderia ser definida em uma única existência. E assim como não temos memória de nossa infância, a alma também não se lembra das vidas anteriores. O lugar que cada homem ocupa hoje é o resultado de suas vidas passadas. Por isso, ou ele está cumprindo uma pena (como os dalits ou as sub-castas), ou desfrutando o prêmio da virtude vivida em alguma existência anterior (como as castas mais elevadas).

Na Lei do Carma (a lei da casualidade no mundo espiritual) nada fica sem efeito por menor que seja o bem ou o mal produzido. Essa é a mais reguladora de todas as leis, a mais justa, a mais sábia. Ela está acima dos deuses e dos homens e faz com que cada um renasça segundo o seu merecimento. Por isso, não há conversão ao hinduísmo. Pois a casta, onde se nasce, é determinante para a doutrina da religião. Nenhum deus (o hinduísmo possui mais de trezentos milhões de divindades) pode reverter a ação da Lei do Carma. A pobreza e a riqueza são resultantes de existências passadas. E assim deve viver o homem, até que cumpra a sua missão no ciclo de vidas.

Segundo alguns historiadores e economistas, a fé na Lei do Carma e na transmigração da alma é o maior obstáculo para suprimir o sistema de castas na Índia, embora a constituição do país já o tenha feito no papel. Mas entre os escritos no pergaminho e a realidade está o pico inacessível do Himalaia. Comprovando o que disse o Dr. Ambedkara a respeito da Constituição indiana:

Ela será apenas um pedaço de papel, enquanto não ficar inscrita no coração dos cidadãos.

E pior, os hindus ortodoxos tomam como um sacrilégio, perturbar o plano divino. De modo que as coisas têm que ser como são. E ponto final.

Enquanto não houve conversões ao cristianismo e ao islamismo, a Lei do Carma funcionou como um bálsamo, principalmente para os párias, que viviam dentro de uma passividade total. Todos aceitavam, sem chiar, o destino herdado, na esperança de voltar num patamar mais alto na próxima transmigração. O hinduísmo conseguia pacificar a tragédia humana, valorizando o sofrimento. Pois, se aceito com paciência, ele seria passageiro e conduziria a uma vida melhor. Caso contrário, voltaria a se repetir.

A mais nobre aspiração de um hindu é se ver livre da reencarnação, pois acredita que, quando isso acontece, o ego que revive em cada nascimento individual, foi vencido. Logo, a salvação não se dá através da fé ou das obras, como apregoa a maioria das religiões, mas pela crença de que o “eu” está morto. Por isso Gandhi disse:

– Eu não quero renascer!

De certa forma, o hinduísmo foi responsável pelo enfraquecimento e atraso da Índia por tanto tempo, ao amarrar grande parte de seu povo à onipotência dos brâmanes e a um sistema de castas, mantendo-o subjugado pela servidão, onde a esperança estava depositada apenas em outra vida, destruindo a coragem e a vontade de viver de seus fiéis. Os brâmanes confiavam na ignorância dos párias, como uma força capaz de preservar as divisões de castas. Tudo correu na mais absoluta tranquilidade, até que o Islã e o Cristianismo fizeram-se presentes no país.

A Índia atual vive tempos marcados pela revolta contra a injustiça e a pobreza extrema, quando passa a trilhar como gente grande os caminhos da tecnologia de ponta. Só para ilustrar a rapidez com que esse país adentra no mundo capitalista, deixo aqui a fala de um amigo estadunidense:

Quando ligo para o meu banco em Boston, sou atendido na Índia, por alguém com um inglês arrastado, muito difícil de ser compreendido.

 Como sobreviverão o Darma e o Carma dentro do capitalismo? Eis a questão!

Nota: imagem copiada de esoterismoyenergia.com

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ÍNDIA – BRASILEIRAS, ACAUTELAI-VOS!

Autoria de Lu Dias Carvalho
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Adaptar-se a uma nova cultura, talvez seja uma das tarefas mais difíceis para o ser humano. Seus valores são revirados de cabeça para baixo. E, se não fez a opção por vontade própria ou se não encontra um objetivo para minorar o sofrimento, a cabeça dança. Portanto, minha cara amiga predisposta a viver na Índia ou em qualquer outro país, antes de tomar uma decisão definitiva, é preciso colocar os neurônios em funcionamento, medindo os prós e os contras, para ver se tem peito para enfrentar as vicissitudes que encontrará pelo caminho.

Em relação à Índia, muitas pessoas deixam-se levar por reportagens com artistas e gente da elite, narrando suas visitas àquele país, mostrando só glamour. Esquecem-se de que esses indivíduos não habitam o mesmo mundo dos mortais comuns, pois lhes são oferecidos pedaços do paraíso (spas de alto luxo), deixando-os distantes de todas as mazelas do país visitado, apenas tendo acesso ao que é de melhor. E o fato de um país ter uma cultura milenar, não significa que esteja à frente de outros na história da humanidade. O Código de Manu é milenar. A Declaração dos Direitos Humanos é bebezinho. Que escolha você faria entre os dois?

A inaceitabilidade das famílias indianas em relação às mulheres estrangeiras é real, não apenas ficção novelística, como muitas mulheres pensam, quando começam a ter contatos amorosos com indianos. O difícil convívio entre sogras e noras (incluindo as noras indianas) é outra realidade visível e constrangedora, é abertamente mostrada pelas novelas indianas. E pior, não há meio de botar a sogra de lado, pois a vivência do filho com a família é estreita, isso quando não vivem na mesma casa.

Apesar de adentrar no mundo da tecnologia de ponta, a visão indiana sobre o papel da mulher é retrógrada e inconcebível para nós ocidentais. Ela nem ao menos pode ser tocada na rua pelo marido, sob o risco de o casal ser preso por atentado ao pudor. O grande hiato, entre homens e mulheres, com a subjugação dessas, não é figura de retórica. É realidade, mesmo! A dicotomia entre Oriente x Ocidente é abissal, principalmente quando se trata de casamentos e direitos das mulheres, ou melhor, a falta destes.

Na Índia, existem classificados de casamento, como aqui existem pessoas oferecendo diferentes formas de serviço. E o mais estupendo é que os anúncios são divididos por castas, obedecendo rigorosamente o espaço de cada uma no jornal. Assim como procuramos uma moradia por bairro nos classificados, assim se busca um marido nas bandas de lá. E, como não poderia deixar de ser, o dote é o salvo-conduto para um bom achado.

A avidez pelo dote ainda é soberana, de modo que sogras e maridos, muitas vezes, unem-se para assassinar a nora. E, como a mulher não deve arrastar o sári pelo mercado, mas queimar a barriga no fogão, as tragédias deliberadas ocorrem mais na cozinha. Ali, a nora indesejada recebe um banho de querosene e uma tocha de fogo, no chamado acidente “à beira do fogão”. Para os familiares, vizinhos e mídia, tudo não passa de um acidente, segundo o mantra dos autores do delito. E de tanto contarem a mentira, com o poder que nela é investido, que ninguém ousa duvidar, muito menos a polícia. Ficando o “viúvo” livre para arranjar uma nova vítima, acompanhada de um novo e bom dote, é claro. Quanto mais pobre for a vítima do fogão, menos clamor por justiça é ouvido. Ademais, a justiça do país possui coisas mais importantes a fazer do que se preocupar com centenas desses casos, que pipocam todos os dias, pensam as autoridades.

Uma estrangeira na Índia não recebe o respeito devido. É julgada pela roupa em si, pelo fato de não arrastar um sári. É vista como uma mulher à procura de homens, trocando em miúdos, prostituta. O assédio a ela é muito grande. Por isso, uma firanghi nunca deve sair desacompanhada. O que acontece à mulher num país onde ela não goza do respeito dos homens? É agredida e vítima de estupro. Não sendo à toa, que a Índia encabece os mais altos índices de agressão e estupro contra mulheres, quer estrangeiras ou indianas (principalmente mulheres dalits).

A chamada “mão boba” está presente em quase todos os lugares do país. Portanto, é bom não cair na propalada “docilidade” do homem indiano, por se tratar de uma cultura que valoriza o machismo. Até mesmo o fato de a mulher pegar uma condução sozinha leva-a a correr sérios riscos, assim como encarar homens na rua é indicativo de “mulher fácil”. Em meio a aglomerações, a mulher deve sempre cruzar os braços diante do peito, protegendo os seios, além de desviar o seu olhar do olhar dos homens. E o spray de pimenta costuma ser uma boa arma contra os indesejados agressores.

É bom que se diga que os budistas não possuem a mesma visão dos hinduístas. Inclusive, não aceitam a discriminação de castas, como já vimos em textos anteriores. Infelizmente, a porcentagem de budistas é muito pequena, em relação aos devotos do hinduísmo, maioria absoluta na Índia. Portanto, minha cara amiga, antes de se apaixonar por um indiano, procure primeiro conhecer sua futura sogra. Será ela quem dirigirá a sua vida. Na dúvida, opte por alguém de seu país, que tenha os mesmos costumes que você. Outro passo importante é consultar o blog Indi(a)gestão da brasileira Sandra Duarte, casada com um indiano e radicada na Índia, para conhecer a verdade nua e crua.

Leiam o artigo:
ÍNDIA – GOLPE DA UNIÃO COM ESTRANGEIRAS

Nota:
Algumas informações, encontradas neste texto, foram tiradas da reportagem da jornalista Florência Costa/ Marie Claire/ nº 218.

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ÍNDIA – BOMBAIM OU MUMBAI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Bombaim ou Mumbai é a capital do estado de Maharashtra e também a maior cidade da Índia. É a capital comercial e do entretenimento, que abriga instituições financeiras importantes. A sua região metropolitana é a sexta maior do mundo. Possui um porto natural e profundo, pelo qual passam metade do tráfego de passageiros da Índia e grande quantidade de carga.

A velha Bombaim é uma cidade suja e pútrida, superlotada de vida, ainda que muitas delas cambaleantes, com o seu calor abafante, trazendo o medo de sufocamento para os turistas de primeira viagem. Em suas ruas, a sujeira e o cheiro de bodum misturam-se com o barulho, a poluição e a violência. Os sem teto esparram-se pelas calçadas ou chão de suas ruas. Ali, eles dormem enfileirados, uns encostados aos outros, de modo a aquecerem os corpos tiritantes de frio. A fileira democrática é composta por homens, mulheres, idosos, crianças e bebês. Precisam se levantar bem cedo, quando as lojas e casas são abertas, para cederem lugar aos transeuntes e animais, e para não correrem o risco de serem espezinhados duplamente pela vida. Espreguiçam-se, como uma forma de afugentar a dormência dos membros, que ficaram numa mesma posição por um longo tempo, na luta contra o frio gélido da madrugada.

A miséria é visível em todos os lugares. Até mesmo nos carros de luxo, quando os desvalidos tentam enfiar, através das janelas de vidro, suas mãos esqueléticas, imaginando que ali possa estar um turista bem aquinhoado e de bom coração. Os que têm dificuldade em movimentar-se, como os leprosos e paralíticos, ficam num ponto visível das calçadas, de modo que os deuses façam com que lhes joguem alguns centavos de rúpia na caneca. Roupas dependuradas nas janelas e varais externos, como cortinas abertas aos olhos do mundo, uma prova de incivilidade para muitos turistas, podem ser vistas por todos os lados.

Os homens ainda cultivam o hábito de esvaziarem a bexiga nas paredes dos prédios públicos ou junto a um poste mais escondido. Aliado a isso, muitos transeuntes mascam o paan, (mistura em que entram a folha de bétele, tabaco e o fruto da areca), cuspindo nas calçadas um sumo gosmento e vermelho parecido com sangue.

É costume um turista deparar-se com incenso queimando dentro de um táxi, dirigido por um hindu. Os deuses sobrepõem-se ao passageiro (embora não paguem a corrida), mesmo que esse tenha alergia ao produto. Resta-lhe rezar para que a fumaça não o escolha como destino e que a viagem seja curta. Ao chegar ao hotel, poderá tomar um lassi (uma bebida espumante de iogurte batido com fruta), para afugentar o cheiro que lhe impregnou os sentidos.

As mulheres de Bombaim, tanto nas castas ricas quanto nas pobres, são subservientes a seus homens, de modo que tudo que há de melhor na casa, cabe a eles, assim como as melhores poções. Em segundo lugar, vêm os parentes idosos e depois os filhos. Com a diferença de que nas classes baixas, cabe a elas a parte que sobra e, quando sobra. Sendo comum limpar a gordura da panela com um pedaço de pão, para aumentar a sobra.

Os pivetes e assaltantes são partes da cidade. Pois não é de se esperar que, num lugar onde alastra a fome, possam conviver em harmonia a riqueza e miséria. O mundo da seda e do ouro também possui janelas de vidro frágeis, de modo que os desamparados atiram nelas sua raiva e revolta. A vida dos bem aquinhoados, portanto, é um convite constante à violência dos esquecidos. Principalmente quando os primeiros chamam os segundos de “preguiçosos e imundos”, e ainda dizem que eles fazem filhos como coelhos e, por isso, não podem amá-los, tamanha é a quantidade. E jogam nisso a causa da penúria em que vivem. A indigência ali é tão deplorável que, segundo alguns, nada resta aos famintos de tudo, senão aleijar seus filhos para que as pessoas (principalmente os turistas) sintam pena deles e assim os impeça de morrer de inanição.

Bombaim é uma cidade dos mais profundos paradoxos. Passa do sonho ao pesadelo num piscar de olhos.  Nela está Dharavi, a maior favela da Ásia, assim com o majestoso Clube de Críquete da Índia, onde se encontram os milionários. Arranha-céus luxuosos beijam os pés dos deuses, enquanto favelas acinzentadas são a poeira dos pés de Brahma e levam ao inferno. É ao mesmo tempo a terra natal de um dos grandes maestros de renome mundial, Zubin Metha, e a do menino Ragu, que foi cegado por seus pais ao nascer, para que salvasse a vida da família, recebendo, por piedade, esmolas na rua. E assim caminha a Índia.

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ÍNDIA – AS VIÚVAS INDIANAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Sem um homem ao seu lado, uma mulher não tem respeito na sociedade indiana. Isso é parte da cultura patriarcal. (Militante de movimento em favor das viúvas)

Vocês dizem que é seu costume incinerar as viúvas. Pois muito bem. Nós também temos um costume: quando homens queimam uma mulher viva, passamos uma corda em volta do pescoço deles e os enforcamos. Construam sua pira funerária; pois ao lado dela meus carpinteiros construirão um patíbulo. Vocês podem seguir seu costume. E nós seguiremos o nosso. ( Charles Napier, comandante em chefe do Exército britânico na Índia, diante das queixas do povo sobre a abolição do sati)

Ainda hoje, em muitas regiões da Índia, a viúva carrega um fardo doloroso, pois além de ser vista como um peso para a família, é também olhada como sexualmente perigosa. A família do marido morto usa de todas as artimanhas para tomar as propriedades deixadas por esse, sem assumir a responsabilidade de sustentar sua viúva, que, muitas vezes, é queimada para que possam roubar seus dotes.

Como é rodeada por uma gama de preconceitos e superstições, a viúva não consegue trabalho e acaba tendo que viver nas chamadas Casas de Viúvas, que nada mais são que velhos prédios despencando, onde são obrigadas a viver pelo resto da vida, uma vez que a absoluta maioria não é aceita dentro da família. Para se submeter à “purificação”, a viúva precisa deixar qualquer tipo de contato com os prazeres da vida e viver em sofrimento. Dentre as regras que deve seguir, estão:

  1. dormir no chão;
  2. repetir canções e orações durante 6 horas diárias;
  3. não comer frituras (consideradas alimentos quentes que induzem ao sexo);
  4. mendigar à beira do rio Ganges (onde se calcula que existam milhares delas).
  5. viver em completa pobreza; desempregada, sem acesso aos meios de produção, sem educação formal e sofrendo por superstições, que ainda estão bastante enraizadas, na cultura indiana.

Em razão das privações a que estão submetidas, a morte de mulheres viúvas chega a ser 85% maior que a das mulheres casadas. E o mundo nem se dá conta disso. Mesmo que um ato político, em 1956, tenha estabelecido, que as viúvas devem ser consideradas iguais a todas as mulheres, a tradição continua falando mais alto.

Quando se torna viúva, a mulher tem as pulseiras quebradas, o cabelo raspado, desfaz de suas roupas e é obrigada a usar um sári branco, para diferenciá-la das outras mulheres, uma vez que se tornou um pária (impura) e não pode ter contato com outras mulheres, que não sejam viúvas como ela, e tampouco com crianças.

Mesmo tendo que se sujeitar às péssimas condições das chamadas Casas de Viúvas, muitas preferem viver nelas, a ficar com a família do ex-marido, pois, quando aceitas,  são constantemente violentadas sexualmente, além de serem humilhadas e maltratadas fisicamente pelos membros da família, tratadas como escravas.

As Casas de Viúvas tem sido um complicador para o governo indiano. Na verdade, não passam de empreendimentos mercenários, pois existem denúncias de que, apesar das mulheres viverem em completa miséria, os administradores ganham muito dinheiro, pedindo ajuda financeira e vendendo os serviços sexuais das jovens viúvas.

Antigamente, quando o marido morria, a viúva era obrigada a cometer o sati, ou seja, imolarem-se na mesma pira funerária do esposo. Isso ainda costuma existir em certos vilarejos indianos. Quando o governo inglês aboliu tal prática na Índia, ouviu muitas reclamações por parte dos homens. Leiam a resposta que Charles Napier, comandante-chefe do exército britânico na Índia deu aos reclamantes:

– Vocês dizem que é costume incinerar viúvas junto com seus maridos. Pois muito bem! Nós também temos um costume quando homens queimam uma mulher viva: passamos uma corda em volta ao pescoço deles e os enforcamos. Construam sua pira funerária ao lado dela e meus carpinteiros construirão um patíbulo. Vocês podem seguir seus costume. E nós seguiremos o nosso.

Não podemos estabelecer fronteiras para denunciar as mazelas da humanidade. As nossas preocupações devem ter um cunho humanista, de modo que cada indivíduo seja visto apenas como um elemento da raça humana, com seus direitos e deveres. Digno do respeito de todos. Portanto, na luta pelo cumprimento dos direitos humanos, não podemos deixar de inserir as viúvas indianas, vítimas do mais brutal preconceito.

Nota: Imagem copiada de http://tudosuperinteressante.blogspot.com.br

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ÍNDIA – AS TORRES DO SILÊNCIO E O ZOROASTRISMO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O clima de Bombaim (hoje Mumbai), a maior cidade da Índia, possui um calor de chumbo, sufocante, o que impede muitos estrangeiros de ali se acostumarem. Dizem que a Índia não convém a todo mundo. Penso que lugar algum convém a todo mundo.

Nas ruas, sente-se o odor forte das frutas, que estragam facilmente com o calor, o cheiro de barro e o de incenso de milhares de altares espalhados pela cidade. Aliado a isso, a fetidez do estrume de gado faz-se presente por onde quer que se vá. Os riquixás correm pelas ruas, movimentados por homens esqueléticos, a quem apenas uma força sobrenatural da luta pela sobrevivência consegue manter de pé. Jamais esses poderiam ser puxados por parelhas de bois, pois, para os hindus, a vida de uma vaca vale infinitamente mais que a de um homem.

Bombaim é uma cidade onde a moda toma os mais diversos caminhos. Há indianos enrolados em metros de tecidos, outros meio vestidos e alguns outros praticamente sem roupa alguma. Crianças de pernas finas como palitos e olhos de khol são vistas, aos montes, nas ruas centrais e favelas. Algumas são tão doentes que parecem carregar o quádruplo da idade, enquanto outras mal aguentam de pé a barriga cheia de vermes. Os mendigos parecem arrancar a roupa dos turistas desavisados, pedindo esmolas, com suas múltiplas mutilações e doenças, dentre essas, a lepra.

Cinco torres enfeitam uma colina, onde o silêncio é interrompido pelo voo dos abutres e o grasnado dos corvos gulosos. São as famosas Torres do Silêncio, local onde os parses (ou pársis) celebram seus ritos funerários. Segundo a Wikipédia “uma torre do silêncio é uma construção em forma de torre, que possui usos e simbologias funerárias para os adeptos do zoroastrismo.”.

O Zoroastrismo é uma das mais antigas religiões da história da humanidade, tendo sido predominante na Pérsia (atual Irã), antes de ser invadida pelos muçulmanos. Foi fundada por Zaratustra (ou Zoroastro), profeta do leste da Pérsia. E, segundo certos historiadores, alguns de seus baluartes religiosos, como a crença na existência do juízo final (com a vinda do Messias), na ressurreição e na existência do paraíso, influenciaram as três grandes religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

Após os muçulmanos tomarem o poder na Pérsia, começaram a matar os parses e a qualquer um que se negasse converter ao islamismo. Os parses, para escaparem das perseguições islâmicas, fugiram para a Índia no século X. E ali, em Bombaim, os ingleses deram-lhes uma colina, para depositar seus mortos.

Os parses não enterram e tampouco queimam seus mortos. Os corpos são colocados nus, sobre pedras de mármore, onde são deixados para que abutres e corvos devorem-nos, de modo que a morte volte à vida o mais rapidamente possível. Somente os “condutores dos mortos”, vestidos com um mero pedaço de pano envolvendo a cintura, podem tocar nos cadáveres. Carregam como arma, para se defenderem dos animais carnívoros, um simples pedaço de pau. Esses homens jogam no mar os ossos e os restos que não foram devorados. Mas esta prática vem sendo abandonada, por inúmeras razões, dentre elas, a diminuição da população de aves de rapina ou  a ilegalidade dessa tradição em muitos países, levando os seus seguidores, que habitam o Ocidente, a escolherem a cremação.

Os zoroastrianos creem que o corpo humano é puro, por isso, quando uma pessoa morre, o seu espírito tem um prazo de três dias para deixar o corpo. Depois desse prazo, fica apenas o cadáver, que é impuro.  E, se ele fica na natureza, que é uma criação divina marcada pela pureza, poderá poluí-la. No quarto, onde se encontra o cadáver, arde uma pira de fogo ou velas, durante três dias.

As cerimônias dessa religião são celebradas nos conhecidos templos de fogo. A parte principal de seus templos é a câmara, onde se conserva o fogo sagrado (que queima numa pira metálica, colocada sobre uma plataforma de pedra). Os sacerdotes zoroastrianos devem visitar o fogo cinco vezes por dia, de modo que não se apague. Usam o sândalo como oferenda e recitam orações, sempre com a boca tapada por um tecido, para não poluírem o fogo, pois esse é adorado como um símbolo da sabedoria e luz divina de Ahura Mazda.

Apesar de sua vista deslumbrante, a grande maioria dos estrangeiros é levada até as Torres do Silêncio por uma curiosidade doentia, para acreditarem na descrição de um mórbido espetáculo, que lhes chega aos ouvidos, sem entender esse mundo cheio de mistérios e tão próximo da morte. Enquanto isso, as piras funerárias estendem-se pela baía, iluminando o dia ou a noite, num outro ritual de passagem da morte para a vida, agora dentro do hinduísmo.

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